FILOSOFIA BARATA?

Porque será que é tão difícil aceitar a morte, por mais que, racionalmente, saibamos que tudo tem um fim?
Vem isto a propósito do falecimento, ontem, da Tia E., que tinha 94 anos. Foi uma tia muito presente na minha infância. Os meus Pais moravam no alto de um morro e não havia outras crianças à volta. Assim, mais ou menos todas as tardes, depois do lanche, o meu irmão mais novo e eu descíamos até ao largo onde vivia a Tia E. Em casa dela e no largo juntavam-se primos e primas e mais uma grande quantidade de miúdos da vizinhança. Não me recordo bem, mas formávamos um grupo de mais de quinze, que jogávamos aos polícias e ladrões, à macaca, ao mata, ou saltávamos à corda, ou brincávamos às escondidas. Assim que o sol se punha, vinha o criado buscar-nos para nos escoltar até casa.
Foi a Tia E. quem me ensinou a dançar o tango, nos "bailes" que organizava lá em casa, quem nos aturava nas nossas guerrinhas de garotos, e nos incentivava a fazer teatro no quintal...
Depois, nós fomos para o colégio e a Tia foi viver para Luanda e depois para Lisboa.
Regressada de África, já casada, retomei o contacto com a Tia. Vinha muitas vezes a minha casa para estar com a minha Mãe (sua irmã mais velha), e, quando já não podia deslocar-se telefonava-lhe e ficavam horas a fio a conversar. Quando a minha Mãe morreu, também com 94 anos, eu procurava telefonar todas as semanas para saber como estava. A Tia era muito amiga do Zé e gostava de conversar com ele. Ainda fomos os dois à sua festa dos 90 anos, quando ela ainda estava lúcida mas já tinha dificuldade em locomover-se. Até que fracturou o colo do fémur e teve de ser operada. Fui vê-la ao hospital, mas já não dizia coisa com coisa. E fui tendo notícias de que umas vezes  não reconhecia as pessoas.
Ontem tive a notícia da sua morte, de penumonia. Fiquei muito triste, e cheia de remorsos. Ia sabendo dela pela filha e por outra tia, mas nunca mais fui vê-la. A minha vida também se complicou e fui adiando a visita, talvez com receio de me emocionar, talvez por cobardia para ficar com a lembrança de tempos mais felizes. E agora já não há remédio. Embora esperasse o fim, esta certeza de que acabou foi como que uma bofetada! Nós nunca queremos que aqueles que fazem parte da nossa vida se vão embora, mas, às vezes, não sabemos mostrar-lhes isso em vida.

TODOS OS PATINHOS...

A água não servia para beber, quando eu era adolescente. Traziam-na do rio em barris, despejados  a seguir num reservatório. Havia um homem que dava à bomba para a água subir até a um tanque e dali ser canalizada para toda a casa. Para a beber, isso não era suficiente. Era preciso deitar a água em sangas ( havia 3 lá em casa, num anexo), onde era filtrada para recipientes em barro e de onde saía fresquinha. Dos recipientes, era transportada para a cozinha, onde era fervida em grandes panelas, e, depois de arrefecer, era deitada no filtro, e só depois podia ser bebida.
O anexo era muito fresco, e a minha mãe gostava de guardar ali os repolhos que lhe eram fornecidos. Acontece que eu nunca gostei de repolho, uma das minhas muitas manias.
A minha Mãe tinha criação de patos na horta junto do rio. Quando nasciam patinhos, eram levados  para o jardim da nossa casa, no alto de um morro, e andavam por ali até serem suficientemente grandinhos para se governarem junto do resto dos patos.
Eu gostava de andar no meio deles, tão amarelinhos, e ajudava a dar-lhes de comer. Até que tive uma ideia brilhante: comecei a tirar folhas dos repolhos e a fornecê-las aos patinhos, que as comiam num instante, não deixando qualquer prova do meu delito.
Mas a minha Mãe começou a estranhar a velocidade a que desapareciam os repolhos, e, passado algum tempo,  acabou por descobrir a minha artimanha. Os patinhos andavam bem gordinhos atrás de mim, à espera de mais repolho, mas a festa terminou  e eu fui obrigada a comer o repolho, sempre que era servido...

(As sangas eram feitas de um material poroso, de forma triangular, encaixadas numa armação de madeira. Por baixo do bico ficavam as bilhas em barro, para onde a água pingava. Tudo tinha de se manter bem limpo, pois desses cuidados dependia a nossa saúde.)

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