Idas ao cabeleireiro


Porque vou ao cabeleireiro? Porque vou de boa vontade, sem ser forçada ou ameaçada? Bem, a resposta é só uma: por vaidade. Tendo já uma certa idade, tenho de ser realista e perceber que necessito de toda a ajuda possível para ficar apresentável. Aliás, se tenho o cabelo mais comprido, ele fica quadrado, mais levantado de um lado que do outro, coisa que tento disfarçar usando um boné. Mas, se tiro o dito boné, o meu cabelo apresenta-se espetado para cima, como se fosse um hotentote (sem ofensa para os hotentotes...).
No entanto, durante toda a sessão, sou recompensada com as revistas que me entregam logo que entro, revistas cheias de escândalos e intrigas. Posso negar tudo o que quiser - que não leio revistas do jet set, portuguesas ou espanholas, que a vida delas e deles não me interessa, que mais valia ter levado um livro sério, etc., etc. - mas, no fundo, gosto de ler sobre os estilos de vida muito para além do meu, espanto-me com as mansões, a escolha do carro do último modelo, as fabulosas vivendas nas estâncias de ski, com a joalharia brilhante, e os vestidos estonteantes de costureiros famosos.
Mergulhada em fantasia pura, a minha imaginação criativa corre pelas montanhas de dinheiro de faz-de-conta que eu poderia ter guardado numa casa-forte de qualquer banco... Onde começar a gastar?
Sinceramente, não seria no cabeleireiro...

Há dois anos

Há dois anos, no dia 15 de Março de 2008, fui acordada às oito da manhã por um telefonema. Nunca gostei de ouvir o telefone logo de manhã ou ao fim da noite. Sei que vai acontecer qualquer coisa desagradável. E era: pediam-me que fosse ao hospital falar com a enfermeira X, e que não fosse sozinha. Percebi logo. O Zé, internado há quinze dias, tinha morrido, precisamente às 00.05h. Mas responderam que não podiam dar essa informação pelo telefone... Tinha de lá ir. Há certas burocracias que não entendo!


O Zé partiu e deixou-me só. Tenho duas filhas e um genro admiráveis, que me dão todo o apoio e me enchem de mimos, procurando saber, todos os dias, como estou. Mas o Zé faz-me muita falta. Releio os poemas que escreveu para mim, ao longo de 40 anos, embora nos últimos anos já os não escrevesse devido à sua doença. Revejo as fotos que tirámos juntos, dos nossos passeios semanais, e das nossas viagens ao estrangeiro. E relembro a sua fina ironia, quando fazia comentários ao nome das terras por onde passávamos, as suas brincadeiras, e o imenso amor e carinho que me dedicava...
Ficou isto tudo, e tudo isto é imenso. Mas o Zé não está comigo...

As arrumações são mais difíceis do que parecem


Remodelei a casa. Já dei ou deitei fora muita coisa. Neste momento, estou a arrumar o meu escritório-estúdio-lugar-para-bordar, etc. Disse a mim própria que muita da parafernália deve ser bem escolhida. Fiz quatro montes diferentes: PARA RECICLAR, PARA O LIXO, PARA DAR e PARA GUARDAR.
Apareceu um boneco Snoopy bastante grandinho. Está já um bocado (bocado, é favor) maltratado, e começa a romper-se. Deveria ir para o lixo, mas as minhas filhas gostavam tanto dele, que não tenho coragem de me desfazer dele. Vai para a pilha de guardar. E, talvez um dia resolvam levá-lo para a sua casa minimalista. Entretanto, ficará bem embrulhado, dentro de uma caixa, com os outros peluches, na garagem.
Apareceram-me montes de fotografias (montes, sim! São anos e anos de fotos, do tempo em que ainda não havia máquinas digitais). Muitas estão metidas naqueles álbuns que os fotógrafos ofereciam. Mas outras estão soltas, em envelopes já velhos, em caixas, ao Deus-dará. Perco imenso tempo a olhar para elas, a reviver momentos, ou a interrogar-me sobre o lugar em que foram tiradas. A partir de certa altura, comecei a escrever atrás a data, o lugar e o nome das pessoas representadas. Mas, daí para trás, tenho uma vaga ideia ou não tenho ideia nenhuma. Meto tudo numa caixa de cartão, para arrumar mais tarde, metê-las em álbuns decentes, sei lá. Mas onde vou pôr a caixa de cartão?
Forrei três caixas de cartão com um papel bonito e alegre para meter as minhas revistas de pintura, de ponto de cruz e de bricolage (os meus passatempos preferidos). Mas já estão cheias, a transbordar e nem sei que fazer. Tenho de começar a tirar as mais antigas e oferecê-las a várias pessoas que conheço e que lhes darão destino.
O saco PARA O LIXO já está mais que cheio. As contas antigas, desde 19-e-troca-o-passo, têm de ser rasgadas com cuidado para não se ver o nosso nome. E isso faz-me perder imenso tempo! Tenho de ver as contas uma a uma, verificar se têm o nome e a morada e rasgá-las bocadinho a bocadinho. Há dias que ando nisto… Fora as cadernetas da Caixa, que existem desde 1976. Fui lá ontem perguntar o que lhes faço. Disseram-me que as corte aos pedacinhos, com uma tesoura afiada...
PARA RECICLAR é o saco mais fácil. Tudo o que são papéis de propaganda, cartões, caixas, etc., tudo isso vai para o saco. Depois é só descer no elevador e pôr no papelão, que a câmara ofereceu ao prédio. A câmara do meu concelho distribuiu pelos prédios caixotes para o lixo comum, o vidrão, o papelão e o plástico. Também forneceu aos utentes um caixote de lixo com duas divisórias, para se separar os restos de comida do lixo vulgar. No pátio também há um caixote para o lixo vulgar e outro para os restos de comida. Atrás da igreja há um oleão, e também há vários pilhões. Tudo muito ecológico, tudo com dias certos para se recolher o conteúdo de cada um deles.
PARA DAR ainda está vazio. Não consigo separar-me das revistas… Talvez um dia mais tarde.
PARA GUARDAR enche quase todo o espaço! Vou separar o que pode ir para a garagem e o que vai ficar cá em cima.
E vou fazer as coisas com calma, que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Se não ficar pronto hoje, fica amanhã, ou depois… ou depois... Logo se vê!

Esquilos

Gosto muito de esquilos. Quando miúda, adorava o Tico e o Teco, as partidas que faziam ao Pato Donald, as reservas de nozes e avelãs...
Há dois anos fui passar uns dias em Londres, em casa de uma amiga. Na manhã do dia da partida para Lisboa, levou-me ao Russell Park. Tinha avelãs na carteira e deu-me algumas para os esquilos, que andam à vontade, sem receio das pessoas.
Só porque eu tinha a mão estendida, o esquilo trepou por mim, em busca de avelãs. Foi uma sensação esquisita ver o bichinho, cheio de confiança, a trepar pela minha perna. Ele vive a procurar comida, a correr pela relva e a trepar às árvores. Confia nos humanos, coisa que nós, humanos, não fazemos. Somos desconfiados, até quando nos estendem a mão...

Hoje

Hoje está quase a acabar, mas não quis deixar de dizer que, há 42 anos, eu me casava com o Zé.
Foi uma cerimónia simples, apenas com a família e os amigos mais chegados. Preocupado por me ir casar com um viúvo, que tinha cinco filhos entre os quinze e os oito anos, e era doze anos mais velho do que eu, o meu Pai, antes de me dar o braço para entrarmos na igreja, fez-me uma só pergunta: "Estás arrependida?"
"Não, Pai." - respondi. "Então, vamos!" - disse. E deu-me o braço e entrámos na igreja. Tenho a certeza de que, se eu respondesse afirmativamente, me teria metido no carro e arrostaria com as consequências de ter abortado o casamento. O meu Pai era de poucas falas, mas muito decidido.
O Zé e eu vivemos 40 anos juntos, apenas interrompidos pela sua morte. Foram 40 anos com altos e baixos, mais altos que baixos como em todos os casamentos, mas sempre com muito amor e carinho. E faz-me muita falta...

Como dizia Shakespeare...

Estudei Shakespeare no 2º ano da faculdade e fiquei apaixonada. Para além das obras obrigatórias, devorei tudo o que escreveu, mas as minhas favoritas são as grandes tragédias: Hamlet, King Lear e Macbeth, para além dos sonetos (sou romântica inveterada). Shakespeare conhecia a alma humana e foi capaz de nos transmitir as emoções, defeitos e virtudes das pessoas que descreveu.
Ontem, encontrei esta frase de Shakespeare, e resolvi deixá-la aqui para reflexão:
"Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia."

Visitas

Outros Sonhadores

Pesquisar