A minha Mãe faria hoje cem anos

Se ainda vivesse, a minha Mãe estaria hoje a comemorar 100 anos! Viveu quase todo o século vinte e o seu maior desejo seria chegar ao ano 2000, o que conseguiu. Morreu em 2004, com 94 anos, de uma maneira muito serena, como um passarinho.
Casou aos 18 anos, teve 5 filhos e ainda ajudou a criar um irmão, porque a mãe dele morreu de parto. Mais tarde, ajudou a criar o irmão mais novo (da idade do meu irmão mais novo),pelo que havia sete crianças a seu cargo. Adorava o meu Pai e ensinou-nos a amá-lo e a respeitá-lo.
Viveu toda a sua vida para os outros. Numa época em que não havia quem o fizesse, ajudou muitas crianças a nascer e ensinou as respectivas mães a tratar delas. Quase tudo o que sei fazer, aprendi com ela. Sendo eu a única rapariga entre cinco filhos, a Mãe achava que eu devia ser uma menina prendada. Ensinou-me a bordar (nunca me ensinou a bordar a ponto de cruz nem a fazer crivo, por causa da vista), a passajar, passar a ferro, fazer bolos, arrumar a casa, limpar o pó, e ainda me mandou aprender piano e pintura. Lutou para que tirasse um curso e apoiou-me nas minhas escolhas. Ajudou-me a criar as minhas filhas, com grande dedicação e empenho.
Tinha uma memória fenomenal e lembrava-se de coisas que eu nem sabia. Um dia, um dos meus irmãos trouxe a nossa casa uns amigos que, depois da independência de Angola, tinham ido para o Canadá. Ao virem a Portugal, manifestaram vontade de estar com ela. Tinham passado mais de trinta anos. A Mãe já quase não andava e passava os dias sentada numa poltrona. Pois quando apareceram à porta, a Mãe disse logo o nome da senhora e do marido. Ambos desataram a chorar por se lembrar deles. Ficámos impressionados, pois o senhor era alto e muito forte, ao ver um homenzarrão a chorar daquela maneira.
A minha Mãe gostava de tudo limpo e arumado. Um dia, entrou um criado novo lá para casa. Deu-lhe um avental e mandou-o limpar o chão de um quarto para ver como ele fazia. Mas andava sempre atrás dele, a mostrar que aquele canto não fora bem limpo, que estava a ser descuidado, que faltava limpar aqui e ali. O rapaz levantou-se, tirou o avental e disse: "A senhora também chateia um homem!" E foi-se embora. Muitos pais levavam-lhe as filhas para que as ensinasse a tratar de uma casa, de crianças, e a cozinhar.
A Mãe adorava ler e foi ela quem me pegou o vício desde muito pequena. Depois de operada à catarata (com 89 anos), lia cerca de dois livros por semana. Lia de tudo, desde as Selecções até grandes romances, revistas e livros de cozinha, tudo lhe servia. Eu achava graça quando ela estava a ver um livro de receitas com gravuras e dizia com ar convicto: "Isto deve ser muito bom!"
Bordou até aos 80 anos, e, depois disso, gostava de fazer crochet o que fez até cerca de três meses antes de morrer. Quando deixou de poder andar e passou a ser levada em cadeira de rodas, nunca se queixou nem se revoltou com a sua situação. Aceitou sempre tudo o que lhe acontecia sem um queixume.
Foi uma grande senhora, querida por todos e admirada por muitos.
Faz-me muita falta. Num dia como este, não posso deixar de falar nela com muito carinho e saudade.

Às minhas filhas

Durante muito tempo só soube fazer uma coisa: ser vossa mãe. Vocês eram pequenas, precisavam dos meus cuidados e atenções, e agora, de repente, dou-me conta de que cresceram e que são mulheres feitas, casadas, e donas dos vossos narizes. Comportei-me como se ainda fossem pequenas e precisassem da mãe para dar carinhos, e receber os vossos desenhos, em que me diziam que me amavam muito e que, sem mim, não teriam nascido. Esqueci-me de que já não dependem de mim e que têm uma vida própria, - a vida que escolheram, - e que não precisam de me pedir licença para fazer o que querem, sem interferências da mãe. Tenho muito orgulho nas profissões que escolheram e no trabalho que realizam. Mas... continuo a ver-vos pequeninas, a pedir colo e mimos. Desculpem, é o complexo de mãe-galinha! Love you!

Há anos

Faz hoje, às duas da tarde, anos que nasceu a minha mais velha, com 4 kilos e 56 cms de comprimento. Eu estava na maternidade desde o dia 1, com imenso calor (em África faz bastante calor nesta altura). O Zé levou-me para a maternidade com apenas uma dor, e mais aflito do que eu, que ia ter a primeira filha, quando, para ele, seria o sexto filho. Não contente com isso, telefonou aos meus padrinhos de casamento, ambos médicos, e a um casal nosso amigo. Às sete, como não acontecia nada, fomos todos jantar à Castália, eles todos em animada cavaqueira, e eu muito caladinha. Voltámos para maternidade, e, enquanto se instalavam no quarto que me fora destinado (só havia um quarto e tinha WC privativo, e duas enfermarias), mandaram-me ir passear para o corredor, a ver se a coisa se resolvia. Perto da meia-noite, como eu continuava sem dores, resolveram voltar para as respectivas casas e deixar-me dormir, com a recomendação às enfermeiras de telefonarem se houvesse alguma coisa. Passei o domingo e a segunda-feira no quarto, cheia de calor, mas a cachopa não queria sair. Ainda refilei com o director da maternidade, dizendo que ia para casa, mas ele decidiu que tinha de ficar. Na terça-feira, resolveu provocar o parto. Não tive uma única dor, pois estava a soro com buscopan, e nasceu então a cachopa, com aquele peso, que deixou toda a gente admirada, pois eu era bastante magra (os alunos chamavam-me a "esferográfica"...). Claro que o Zé tinha sido avisado, bem como a minha madrinha, do que se ia passar. Como a boneca era muito grande, levei 40 pontos e disso não gostei, porque, na altura, já tinha passado o efeito do buscopan. E depois de estar no quarto, o Zé foi buscar os filhos para verem a nova irmã, e ali, mesmo na maternidade, declarei ao mais velho que seria o padrinho dela. Passei oito dias naquele quarto, recebendo imensas visitas. E porque fiquei tanto tempo? Porque a menina apanhou um "impetigo" e teve de levar umas grandes doses de penicilina...
A minha sogra escreveu comovida, porque a neta nasceu no mesmo dia do avô paterno, duas horas mais cedo do que ele. O mais engraçado é que seguiram o mesmo curso, e assinavam os livros da mesma maneira... (Nunca o conheci porque morreu quando o Zé tinha dois anos).
Hoje, que ela já é mãe, pode compreender o grande amor que sinto por ela.

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