Caminhando

Esta é a minha obra mais recente. Como já disse, adoro o pôr do sol.

Os meus caracóis

Sendo a única rapariga no meio de cinco rapazes, eu tinha uma grande inclinação para medir forças com eles. Tinha uma maneira especial de correr e por isso os batia em corrida, jogava futebol, trepava às árvores, e tinha sempre um dos joelhos em ferida. Quando curava um, esfolava o outro. Havia, no entanto, uma coisa a que não podia fugir: o meu cabelo. As meninas usavam o cabelo comprido, por altura dos ombros, e eu não fugia à regra. O pior eram os caracóis. A minha Mãe passava cerca de dez minutos, todas as manhãs, a fazer-me vinte caracóis, nos quais tinha grande orgulho. Não eram caracolinhos, mas vinte canudos. Para mim, era um martírio estar quieta à espera que ficassem todos prontos e que os dois da frente ficassem atados com laçarotes.
Um dia foi o barbeiro lá a casa para cortar o cabelo dos meus irmãos e eu fiquei por ali, a olhar cheia de inveja. Aproveitando que a Mãe estava distraída com a lida da casa, fui ter com ela e perguntei se também podia cortar o cabelo. Respondeu que sim, quase sem perceber o que eu estava a pedir. Radiante, fui ter com o barbeiro e, sem lhe dar tempo para pensar, expliquei: "A minha Mãe mandou cortar por aqui!" O "por aqui", acompanhado do gesto, era por cima das orelhas, mesmo à rapaz. E foi "por aqui"! Podem imaginar a cara da minha Mãe quando fui ter com ela, toda contente por não ter de fazer os canudos. Não teve coragem para me ralhar, pois tinha consentido, mas ficou tristíssima. O cabelo voltou a crescer e voltaram os canudos, mas, pelo menos durante algum tempo, eu andei radiante da vida...

Recordações VI

Alguém me ofereceu uma boneca em forma de coelha. As orelhas cairam pouco depois, e, pelos buraquinhos, podia ver que estava cheia de serradura. Não sei porquê, a serradura nunca caíu e a boneca nunca esvaziou. Tinha um vestido de chita às florinhas e dava pelo nome (óbvio) de Dona Coelha. Nas brincadeiras que eu tinha com o meu irmão mais novo ou com a prima Ana, a Dona Coelha era mãe de uma família numerosa de bonecos, uns de celuloide, outros de papel, outros ainda de pano, alguns bem maiores que a "mãe". E esta brincadeira durou uns anitos. A estrela da companhia era a Lili, uma boneca de papel que tinha muitos e variados vestidos, uns já impressos na folha em que foi comprada, e muitos, muitos por mim desenhados e pintados. As crianças de agora não têm bonecas de papel. Vinham numa folha A4, a boneca no centro, em trajes menores, e os vestidos, casacos e sapatos à volta, tudo com umas "pestanas", que se dobravam para dentro e se prendiam nos ombros e na cintura da boneca. Era divertido. Aliás, a Lili era o presente que a minha Mãe me ofereceu por ter passado no exame de admissão ao liceu com 15 valores, a nota mais alta de toda a Angola. (Modéstia à parte, sempre fui muito boa aluna). Depois, fui para casa de uns tios, para continuar os estudos, e a Dona Coelha e a família ficaram fechadas numa caixa de cartão e não mais tive tempo para brincar com elas...

De volta!

Não, não sou eu esse doente! É só para fazer sorrir... Aliás, fui muito bem tratada.
Na sexta feira, dia 25, dei entrada no hospital, como estava marcado. E à hora marcada já estava na sala de operações, deitada na mesa, enquanto me enfiavam uma agulha na veia do braço esquerdo e me colocavam um sem número de discos para se ver as sístoles e as diástoles. Até sorri, porque me parecia estar a fazer parte de uma cena do "Serviço de Urgência" ou do "Hospital Central". A anestesia foi local e, por isso, estava bastante alerta. Não vou entrar em pormenores, até porque não percebo nada de nada. Sei que o médico e o assistente trocavam palavras murmuradas, certamente para eu não perceber, que estava uma senhora do meu lado esquerdo a monitorizar os "piquinhos" para baixo e para cima no gráfico do coração, que havia uma enfermeiro encostado a um armário e mais duas moças, que presumo serem enfermeiras. Disseram que estava pronto, e as moças e o enfermeiro entraram em acção para me transferirem para uma cama que levaram para um recanto. Nessa altura, deixaram entrar a minha filha mais nova, para ver que eu estava inteira, e, depois de ela sair, deixaram entrar a mais velha e uma das minhas sobrinhas, que me foi prestar a sua solidariedade. Em seguida, o tal enfermeiro começou a fazer um penso e, para terminar, colocou-me um peso na perna, para eu não a mexer. E lá fui de charola, com a família atrás, para uma enfermaria. Só então soube que não tinha sido feito a angioplastia, porque, de um ângulo, a artéria parecia entupida a 5o% e, de outro, 70%. Na dúvida, não fizeram nada e marcaram-se uma cintigrafia para a segunda-feira seguinte, juntamente com a consulta do médico, mal este exame estivesse pronto. Passei uma noite má. Não gosto de dormir de barriga para o ar. O peso na perna direita não me deixava virá-la nem um pouco, e o braço esquerdo estava ligado ao soro e não o podia sequer dobrar. No sábado de manhã, mandaram-me tomar banho e tirar aquele penso que me apertava a perna. Vi, nessa altura, que parecia um rolo compressor... Fiquei à espera que me dessem alta, e pelo meio-dia, apareceu o médico assistente, que me passou a requisição da cintigrafia e lá fui eu, com a família, para casa. Tudo bem, pensei eu. Fiquei meia deitada, com os miminhos da família e assim passaram os dois dias até à cintigrafia. Não me custou muito, pois só me furaram as costas da mão direita para injectar os líquidos necessários ao exame. Dali, já com o exame, a filha mais velha e eu seguimos para o consultório. Não esperámos muito pela vez. O médico olhou para os resultados, explicou-nos onde era o entupimento por meio das imagens, e disse que se podia resolver a coisa com medicamentos. Saí de lá bastante aliviada. E aliviada passei a terça-feira.
Na quarta de manhã, estava eu no meu sossego a ver televisão e a bordar quando comecei a sentir o conhecido peso no peito, os maxilares a cerrar e o anel de ferro em volta do peito. "Não pode ser", pensei eu, mas, à cautela, deitei-me um pouco. A dor aumentava cada vez mais, e eu pus o comprimido debaixo da língua, acabando por o mastigar, para ver se passava. Entretanto, (para não me ralharem como da outra vez...) telefonei à filha. Veio o 112, mediram a tensão, o pulso, escreveram tudo, (os sintomas, os medicamentos que estou a tomar e não sei que mais) e disseram que me levavam para o Curry Cabral. Não, disse a filha, devem levá-la para Santa Marta. "Santa Marta não tem urgências, tem de ir para o Curry Cabral". E toca de me sentarem numa cadeira de rodas, amarraram-me pelo peito e pela cintura, julgo que para não me deixarem cair, quando a filha telefona ao médico. Que não, que não, ele já telefonava, mas nada de me levarem para o Curry Cabral. Lá me deitaram na cama, entregaram os exames, e disseram para eu assinar um papel a dizer que não queria ir para o Curry Cabral. Mais tarde, o médico telefonou. Tinha de estar no hospital às cinco e meia. E lá fomos. "Tive de repetir tudo o que sentira e como. E quando chegou o assistente voltei a contar. Decidiram, então fazer a angioplastia. Fiquei nos cuidados intensivos nessa noite e durante o dia seguinte. O médico foi ver-me por duas vezes, uma para me fazer um penso e colocar um peso enorme na perna direita (este era mais pesado e maior do que o primeiro), e a outra para me dar alta a partir das seis horas da tarde, com ordem para me sentarem numa poltrona a partir das duas horas, e me fazerem andar a partir das cinco. E assim se fez. Desta vez, tinha uma aparelho de medir a tensão no braço direito, o qual era automático. De tanto em tanto tempo trabalhava. Quando estava quase a adormecer, aquilo enchia, fazia uns barulhinhos, e esvaziava. Um mimo! Colocaram um stent na artéria descendente anterior e um kissing balloon (sic) na segunda diagonal. Perceberam? Eu não, que não sou médica, mas sei que me sinto melhor e que durmo muito bem.
Pelo interesse demonstrado, fico muito grata aos visitantes deste blog.
Qualquer dia volto às minhas recordações para "memória futura" dedicada aos meus netos. Até já! :-)))

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