Ano Velho, Ano Novo

Estive a fazer uma revisão do ano que está mesmo a acabar e chego à conclusão de que nada fiz de extraordinário. Não mudei o mundo, não escrevi uma obra-prima nem compus uma sinfonia. A vida correu num rame-rame apagado, sem perspectivas, sem nada de entusiasmante...
E o que espero eu do novo ano? Mais saúde, mais amor e mais paz? Não é isso que espero todos os anos? Para quê fazer projectos se não chego a realizá-los?
Mesmo assim, desejo a todos um Feliz Ano Novo!

Uma Vez num Estábulo

A noite estava estranha: negra, abafada, mas fria ao mesmo tempo. A vaca tirou um pouco de feno e mastigou-o pensativa. Não conseguia dormir. O dia fora pesado: a trabalhar no campo, com o arado, quase sem descansar. Quando regressara, à noitinha, pensara no feno fresco e na água que a esperava, e esse pensamento dera-lhe ânimo para chegar ao estábulo. Estava tão cansada! Julgara que adormeceria logo que comesse e, afinal, estava para ali às voltas, sem conseguir fechar os olhos.

Olhou para o burro, que dormia regalado. Com uma ponta de inveja. Assim que chegara, comera a ração, e deitara-se a dormir. Nem tiveram a conversa habitual. Era talvez isso que lhe fazia falta. Aquela troca de impressões sobre o dia fazia parte da sua rotina. Já não podia passar sem ela. Mas o burro estava cansado e adormecera logo. Apenas lhe dissera, enquanto comia, que havia muito movimento na cidade. Chegara imensa gente de fora. E mais nada. Ela que adivinhasse o resto. Gostaria que lhe contasse como eram as pessoas, se vinham a pé, se traziam crianças... Nada lhe dissera. Era assim aquele burro: quando cansado, nada o faria falar.

Tinha vontade de o acordar, para lhe fazer algumas perguntas, mas não se atrevia. Podia sentir-se mal disposto e dar-lhe algum coice, nunca se sabe... O melhor que tinha a fazer era acomodar-se e tentar dormir. Amanhã viria um novo dia de trabalho e tinha de estar repousada. Mas, antes, resolveu ir até à porta.

Que noite escuríssima! Não se lembrava de uma noite assim, por aquela altura do ano. Nem uma estrela brilhava no céu! Decididamente, o melhor era dormir. Voltou-se, de repente. Que barulho era aquele? Pareciam passos... Quem seria, a esta hora? Podiam ser ladrões. Ficou receosa. Já uma vez tinham tentado roubá-los, a ela e ao burro.

Resolveu acordar o companheiro. Juntos podiam defender-se melhor. Os passos aproximavam-se cada vez mais. Inquieta, chamou-o. Mas ele estava a dormir profundamente e nem a ouvia. E os passos mais perto! Abanou-o com força e nem lhe deu tempo a que resmungasse. Excitada, obrigou-o a escutar. Bem desperto, o burro organizou a defesa. Cada um, do seu lado da porta, bem escondidos, prontos a atacar. E assim ficaram, mal ousando respirar.

A porta abriu-se e apareceu um casal. Suspiraram aliviados e avançaram para ver uma Mulher, à luz fraca transportada pelo Homem. Ela era linda, mas via-se que estava muito cansada. Vinham cheios de pó, e percebia-se que tinham feito uma longa jornada.

Sem saber porquê, a vaca teve um desejo imenso de a acarinhar, mas lembrou-se de que não era compreendida pelos homens. Olhou para o burro. Também ele estava impressionado. Havia algo de misterioso naquele casal. Desde a sua entrada no estábulo, este não parecia tão escuro.

Então a Mulher sentou-se na manjedoura. Via-se que não podia dar mais um passo, de cansada que estava. E, nessa altura, a luz apagou-se. Ouviu o Homem dizer que ia procurar lume, e sentiu-o sair. Aproximou-se da Mulher e lambeu-lhe uma das mãos. Era a única maneira que tinha de lhe dizer que não tivesse medo, porque eles estavam ali para defendê-la. E, coisa estranha, parece que a Mulher compreendeu, porque lhe afagou a cabeça.

Chegou-se para o lado, a conversar com o burro sobre os acontecimentos. A Mulher estava quase a dormir.

De repente, o estábulo encheu-se de luz e milhares de vozes entoaram um cântico suavíssimo. Surpreendidos, os dois animais viram a Mulher de joelhos, junto da manjedoura. Aproximaram-se mais e depararam com um Menino, que estendia os braços.

Nesse momento, entrou o Homem com a luz. Também ele caiu de joelhos. Criaturas aladas andavam em volta, cantando.

A vaca tinha a impressão de que o tempo parara. Mas o seu espírito prático prevaleceu, depois de uns momentos de pasmo. Lembrou-se do frio que estava. Hesitante, devagarinho, aproximou-se mais e começou a aquecer o Menino com o bafo. O burro seguiu-lhe o exemplo e os dois aqueceram o corpinho tenro.

A Mulher libertou-se da sua contemplação e envolveu o Menino em faixas. Depois sorriu-lhes, e a vaca sentiu-se reconfortada. Passara o cansaço. Ficou, com o burro, junto da manjedoura, e dali assistiram a um cortejo de gente com oferendas para o Menino.

Nos dias que se seguiram, a vaca andava radiante. Enquanto trabalhava, pensava impaciente no regresso. E à noite pouco dormia. Preferia contemplar o Menino e assistir ao vaivém das pessoas que O iam visitar. Até vieram uns reis, de terras longínquas...

Um dia, tão silenciosos como tinham vindo, o Homem e a Mulher arrumaram os seus poucos haveres. A Mulher agarrou no Menino, fez um afago aos dois animais, e partiram.

Nessa noite, a vaca e o burro não dormiram. Recordaram, vezes sem conta, tudo o que lhes acontecera no seu humilde estábulo. Ninguém lhes disse, mas ambos sabiam que os visitara o Criador.

Escrito por mim em Janeiro de 1967. Penso que está de acordo com a época. Bom Natal para todos!

Livros outra vez...

O livro "Cidade dos Sinos", depois de algumas peripécias, como todos os romances de amor, acaba bem, com o clássico "e foram felizes para sempre". Para uma garota adolescente era o máximo. Mas o livro marcou-me na medida em que me levou a procurar saber mais sobre o poeta e a apaixonar-me pelos seus poemas. Outro livro, que marcou a minha pre-adolescência foi "Os Sonhos de Kathy" (em inglês "What Kathy Did". É a história de seis irmãos, orfãos de mãe, que vivem com o pai, médico, e uma tia que procura ajudar. Kathy é a mais velha, pouco preocupada com os irmãos e muito senhora do seu nariz. Desobedecendo às ordens do pai, vai andar no baloiço, que o pai estava a instalar e que ainda não estava pronto, a corda rebenta e Kathy acorda no quarto, cheia de dores, e descobre, para seu horror, que não poderá andar. A transformação que se opera na vida e no temperamento da rapariga é notável. Depois da morte da tia, chama a si o governo da casa, sentada na cadeira de rodas, e torna-se o centro da vida dos irmãos mais novos e do próprio pai. Por fim, consegue voltar a andar. Há um outro livro, sequela do primeiro, que nunca consegui encontrar. São leituras levezinhas, próprias de adolescentes, mas que as meninas de agora não apreciam, seduzidas pela televisão, os chats da internet, os namoros, as discotecas, os i-pods e os telemóveis. No meu tempo não havia nada disto, e por isso lia tanto. Os tempos são outros, dirão. É verdade, os tempos são outros e os interesses mudaram. No entanto, não há nada como um bom livro para me fazer esquecer tudo o que me rodeia, mesmo que o cenário seja uma casa antiga de Inglaterra, ou as pradarias da América, ou, ainda, a casa já um pouco velha das "Mulherzinhas". Neste livro da Kathy, ela tem uma conversa com o pai, (quando ainda andava), porque não era capaz de assumir os seus erros e deitava as culpas para os outros. A espécie de provérbio que o pai lhe diz, ainda hoje norteia a minha vida particular. É assim:
Por causa de um cravo, perdeu-se uma ferradura.
Por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo.
Por causa de um cavalo, perdeu-se um cavaleiro.
Por causa de um cavaleiro, perdeu-se a batalha.
Por causa de uma batalha, perdeu-se uma guerra.
Por causa de uma guerra, perdeu-se o reino.
E tudo por causa de um cravo.

E por aqui me fico hoje.

Livros

Houve dois ou três livros que me influenciaram bastante na infância e na adolescência. Mas hoje quero falar apenas de um, que li com onze ou doze anos. Chama-se "Cidade dos Sinos" ("City of Bells" em inglês), de Elizabeth Goudge. É uma história muito simples, de um rapaz que regressa da 1ª Guerra Mundial, coxo de uma perna, e que vai viver com os avós numa terra pequena, onde o avô é cónego. Este avô tem em casa duas crianças, Anthony, seu neto e primo do protagonista, e uma rapariga, Henrietta, que foi buscar ao asilo. Jocelyn, o protagonista, resolve abrir uma livraria na praça da cidade, numa casa fechada há muito, desde que o antigo inquilino desapareceu sem deixar rasto. E Jocelyn acaba por descobrir que o antigo inquilino escreveu uma peça de teatro, género autobiografia, que deixou incompleta. Se agucei o apetite, devo dizer que este livro existia numa edição da Minerva e que não era tradução fiel, agora que posso compará-la com o original que uma amiga fez o favor de me comprar em Londres já há uns anitos. O mais importante deste livro (para mim) foi o ter descoberto um poeta inglês, que eu não conhecia: Percy Bysshe Shelley. E o fascínio pela sua poesia dura até hoje. Foi um poeta tão importante para mim, que acabou por ser o tema da minha tese de licenciatura. Ainda hoje sei de cor poemas seus (em inglês). E, já na faculdade, o facto de eu conhecer aquele poeta levou-me a concentrar-me nos portas românticos ingleses. Mas Shelley é fantástico! Qualquer dia reproduzo aqui a sua Ode ao Vento Oeste que é linda!
Para o que me havia de dar hoje! É assim quando os problemas são muitos e grandes. Sempre posso refugiar-me na poesia...

Quando Acaba o Amor?

Quando acaba o Amor? Será que existe Amor quando dizemos que estamos apaixonados e que Fulano/a é o/a homem/mulher da nossa vida? Não será, antes, uma atracção física e que, quando se esgota, deixamos de ter amor? Quem tem razão: os casais que enfrentam as dificuldades juntos, e que olham na mesma direcção, ou os casais que estão "tão apaixonados" e que, à primeira dificuldade, acham que mais vale ir cada um para seu lado? E pensarão eles nos filhos, quando existem, e que serão os mais prejudicados? Pensarão eles que os filhos, quando existem, ficarão divididos nos seus afectos? E a restante família que foi e já não é? E não poderão pensar civilizadamente, em vez de se ferirem à mais pequena contrariedade? E qual é a vantagem de se magoarem e dizerem coisas que, depois de ditas, já não se podem retirar? E haverá necessidade disso? Um casamento não é um mar de rosas. Tem dias bons e dias maus, como tudo na vida. Dizia Michel Quoist: "Amar não é olhar um para o outro, é olharem os dois na mesma direcção". E o que é feito das juras de amor, do "Amar-te-ei até ao fim da vida", do "sem ti não sei o que faria", do "para o melhor e para o pior, até que a morte nos separe"? Já nada tem valor nesta vida? Só vale o "eu e só eu", e que "tudo o mais vá pr'o inferno"?
Perguntar-me-ão a que propósito vem tudo isto. Vem a propósito de ver uma criança a chorar e a perguntar se a culpa é dela porque os pais não se entendem. Vem a propósito de saber que um rapazinho tentou suicidar-se porque os pais se estavam a separar. Vem a propósito de achar que as crianças não têm culpa, nunca têm a culpa, e sentem o mundo desabar sobre as suas costas. Vem a propósito de achar que os inocentes é que sofrem mais, nem Deus sabe porquê.

O meu pequeno "Extreme MakeOver" no WC mais pequenino :-)

O meu Wc mais pequeno já andava a pedir reforma há muito tempo.
A minha filha mais nova deitou mãos à obra e o resultado é o que se vê :-)

Antes

Depois


Antes

Depois

Antes (este não dava jeito nenhum! Não comprem!)

Depois (espectacular!)
Antes (cortina do poliban)
Depois (cortina)
E assim foi o meu "Extreme MakeOver" versão caseira. Agora o próximo passo, para ficar mesmo mesmo fantástico, é mandar fazer um móvel para debaixo do lavatório.

(E depois quem sabe, passar para outras divisões :-))

Livros

Aprendi a ler com quatro anos e tudo por causa do vinho Gatão. A garrafa era de cerâmica e retratava um gato de botas e chapéu à mosqueteiro, que tinha uma garrafa na mão (na pata). esta garrafa tinha um gato com uma garrafa na mão, que tinha um gato com uma garrafa na mão. Adorava aquela garrafa. Um dia, deram-me papel de seda e um lápis e eu tratei de copiar o rótulo da garrafa. Aconteceu que, naquela tarde, acompanhei a minha Mãe numa visita a casa do intendente. Ele tinha quatro filhas e a terceira gostava de ensinar e tinha alguns alunos particulares. Na minha terra, fora a escola primária, não havia mais nada e a Maria Alice era a professora. Mostrei o papel, toda ufana e disse: -"Vês, já sei escrever!" A Maria Alice achou graça e pediu à minha Mãe que me deixasse ir lá para casa para aprender. E passei a ir, todas as tardes e aprendi a ler e a fazer contas de somar e subtrair. Por esse motivo, quando entrei para a primeira classe (agora primeiro ano do ensino básico), aborreci-me imenso até aprender a fazer contas de multiplicar e dividir porque já sabia aquilo tudo... Voltando aos livros. Sempre gostei muito de ler e, quando ia a casa de outras miúdas para brincar, elas escondiam os livros porque eu me agarrava ao primeiro que apanhava e não ia brincar enquanto não acabasse. Lembro-me de que, quando fiz sete anos, a minha Mãe me ofereceu dois livros da Condessa de Ségur: o Evangelho de uma Avó e Férias. Depois, pouco a pouco, foi formando a minha pequena biblioteca e tive todos os livros da Condessa. Os meus Pais sempre gostaram de ler e incutiram esse hábito aos filhos. Tinha eu dez anos quando o meu Pai me disse: - Não mexes nestas duas prateleiras mas podes ler tudo o que está nas outras." Foi assim que li As Pupilas do Senhor Reitor, um livro enorme, encadernado, com gravuras do Bordalo Pinheiro. Depois, foi a vez de Os Fidalgos da Casa Mourisca e dos outros livros de Júlio Dinis. Mas eu, que fui sempre aventureira, gostava de ler Júlio Verne e Emílio Salgari... E as aventuras do Capitão Morgan, que eram vendidas em fascículos, faziam com que eu desejasse ser pirata para cruzar os mares como ele! Os livros andam sempre atrás de mim. Quando estive refugiada na África do Sul, deixando toda a minha biblioteca em Angola, fiz-me sócia de uma biblioteca de bairro e ia lá buscar os livros que mais me interessavam. Aqui, em Portugal, já tenho uma biblioteca de mais de três mil títulos. Tenho pena que os miúdos de agora não gostem muito de ler. A televisão e o computador roubam-lhes o tempo todo e não sobre nada para a leitura...

Outono

Gosto do Outono! É uma estação do ano que condiz com o meu estado de espírito. As folhas mudam de côr e vão caindo, fazendo um tapete que range quando as pisamos. Quando andava na Faculdade de Letras (a nova, na Cidade Universitária), adorava ir a pé pelo Campo Grande só pelo prazer de pisar as folhas caídas. As folhas, ainda nas árvores, tinham (têm, porque o espectáculo se repete)tons de oiro, de vermelho e verde velho. E a sinfonia de cores despertava em nós (em mim e na M. Antunes) a vontade de declamar os poetas que nos atraíam mais. Era uma festa!

Seria maravilhoso ...

Pinguins de Magalhães (tirado da Internet)


Estava tudo tratado. Íamos fazer um cruzeiro de sonho, daqueles que nunca mais se repetem na vida: de Lisboa a Santiago do Chile e transfer para Valparaíso. Embarque num daqueles navios parecidos com o do "Barco do Amor". Descida pela costa do Chile, a ver fiordes, o glaciar Amália, passar o estreito de Magalhães com muito maior segurança que o dito Fernão de Magalhães (num tempo em que as caravelas pareciam cascas de noz, o que só torna a sua façanha muito mais valiosa), ver pinguins (pinguins, sim, não os grandes da Antárctica, mas outros mais pequenos, que não deixam de ser pinguins), Cabo Horn, Ilhas Malvinas ou Falklands, dois dias em Buenos Aires, um dia em Montevidéu e desembarque no Rio de Janeiro, de onde regressaríamos de avião. O orçamento estava feito, tudo pronto, só faltava o nosso OK.
Mas o parceiro, que me tinha pedido para arranjar uma viagem ao hemisfério sul, depois de ler e reler o itinerário, resolvia que não queria ir, pois não estava disposto a passar quinze dias metido num barco... Que frustração! Há que respeitar a vontade do marido, que já não se sente motivado, como eu, para ver fiordes e pinguins. Mas eu ainda lá hei-de ir! Ali e ao Alasca. Ir ao Alasca é o grande sonho da minha vida... Hei-de ir, hei-de mesmo!

A Vida é uma caminhada para o pôr do sol


Diz-se que Édipo soube responder correctamente ao enigma que a esfinge lhe propôs. É claro que a terceira idade corresponde (nem sempre) ao andar com três pés. Gosto mais da imagem da caminhada para o pôr do sol, não só porque esta parte do dia é sempre linda mas porque é mais romântica. Lembro-me de ser ainda adolescente, sem grandes preocupações metafísicas, sentada, mais o cão, no alto do morro onde vivia, e ficarmos os dois a observar o mar na nossa frente e o sol a afundar-se devagarinho, com aquelas cores maravilhosas com que tingia o céu, até ficar tudo escuro e, com um suspiro, ficar com a certeza de que "Amanhã há mais!".
Caminhar para o pôr do sol é uma viagem que pode ser mais ou menos longa, mais ou menos acidentada, mas, para mim, é sempre um passo dado devagar, devagarinho, mas um passo que me há-de levar até ao amanhã eterno e sem fim...

E vão mil!

Nunca imaginei, desde que criei o blogue, que iria ter tantos visitantes. Já passa de mil, intervenientes ou não, mas o certo é que há muita gente a ler o meu blogue. Fico muito contente e agradeço a todos/as do fundo do meu coração. Um abraço do tamanho do mundo!

Quatro seniores em Londres IV

Já não tínhamos passe de autocarro e metro, por isso fomos a pé, devagarinho, até ao Museu Britânico. Tiradas as fotos da praxe, com o Museu eu fundo, encontrámos a pedra da Rosetta em lugar de destaque. Entrámos na zona do Egipto e dali para a Grécia, e Parténon. Estava um grande grupo de miúdos de uma escola a desenhar o que viam, alguns deitados no chão e outros sentados nos bancos. As professoras andavam de um lado para o outro aconselhando, ajudando... Alguns miúdos tinham bastante habilidade. Depois de vermos esta zona, a amiga senior resolveu que tinha de comprar uma bengala em Londres e pediu-me que a acompanhasse para fazer a compra. Era mais importante a compra do que o Museu... Lá fomos os quatro, devagarinho, até ao James Smith & Son. Depois de muito ver e comparar, acabou por comprar uma bengala que se dobra toda e fica com 20 cms. Fomos para a "nossa" praça e acabámos por almoçar numa Pizza Hut. Mais umas compras de última hora e fomos para a recepção, já com as malas, esperar a carrinha do transfer. Foi mais uma hora até ao aeroporto. Check-in, passagem na inspecção, e lá nos sentámos à espera da indicação da porta de embarque. Desta vez foi tudo a horas e lá nos sentámos nos nossos lugares à espera da partida. Tudo normal até à hora da refeição. Um hospedeiro de bordo dá-me o jantar e diz sorridente: "Não é a... ?" - "Sou," respondi, reconhecendo a cara mas não me lembrando do nome dele. "Eu sou o namorado da vossa neta R." É claro que eu sabia que a R. Tem um namorado, que trabalha na TAP, mas não tinha ligado muito. O moço foi amoroso, preocupando-se connosco e com o nosso bem-estar. E assim chegámos a Lisboa. Para mim, é sempre um deslumbramento esta cidade vista do ar, seja de dia ou de noite! Desembarcados, encontrámos logo as nossas duas malas, mas o saco da amiga não aparecia. Lá fomos à Groundforce mas o saco, finalmente apareceu. Voltámos para casa e garanto que dormi quatro horas seguidas, o que não é meu hábito. Valeu a pena? Acho que sim. Voltei à cidade dos meus encantos (defeito profissional...) e contribuí para que os amigos conhecessem uma cidade onde não iriam por não falarem inglês. Já dizia o Fernando Pessoa que "tudo vale a pena se a alma não é pequena" e a nossa é de uma imensidade nunca sonhada!

Quatro seniores em Londres III

Depois do pequeno almoço, fomos apanhar um autocarro na direcção de Westminster e decidimos visitar a Abadia, pois havia um preço especial para seniores. Assim um pouco à vol d'oiseau lá vimos a cadeira da coroação (Sabiam que a pedra de Scone foi devolvida à Escócia, com a promessa de ser emprestada para a próxima coroação?), a capela de Henrique VII (é uma maravilha!), o túmulo de Isabel I, o Canto dos Poetas, onde os seniores homens aproveitaram para descansar um pouco, passámos pelos claustros, vimos o túmulo do Soldado Desconhecido e o túmulo de Winston Churchill, e saímos, tendo de passar, obrigatoriamente, pela loja. Como ainda era cedo, entrámos num autocarro que ia a caminho da catedral de S. Paulo. Não visitámos porque o outro casal não mostrou interesse, e acabámos numa loja italiana que vendia as pastas em copos pequenos, médios e grandes. Comprei pollo al pesto e estava muito bom. Dali apanhámos outro autocarro e fomos até à Gare de Liverpool, passando pelo Banco de Inglaterra. Apanhámos outro autocarro, que nos levou à estação de Vitória, dali fomos num outro até Marble Arch, e aqui apanhámos outro para Oxford Street, onde descemos no Selfridges. Aproveitei para ir à secção da tecnologia e procurar uma coisa que estava prometida. Não havia, mas o empregado, que me atendeu, recomendou-me que fosse à HMV no quarteirão seguinte. Lá fomos, entrámos e fui atendida por um empregado português. Havia o que eu queria e ainda bem. Seguimos devagarinho pelo passeio até à paragem do autocarro sete, que vai direito á Russell Square. Eram cinco horas, e os seniores foram ao hotel para se refrescarem, mas decidiram que devíamos aproveitar o passe e sair novamente. E saímos, apanhando o sete até ao terminus. Mas esquecemo-nos de que era a hora de ponta e estivemos parados numa fila de autocarros durante mais de meia hora. Ainda assim, foi bom ver a cidade de noite, o movimento e o bulício. À medida que nos aproximávamos do término, as ruas estavam cada vez mais desertas e confesso que tive um pouco de receio. Para complicar, o autocarro em que estávamos não voltava à Russell Square. Tivemos de descer, atravessar a rua e esperar o seguinte, que ia mesmo para o nosso destino. Chegámos por volta das nove horas. Estava muito frio. A outra senhora, mesmo à porta do hotel, não viu um pequeno desnível e estatelou-se ao comprido. Pensámos que tinha partido um pé, mas conseguimos ajudá-la a levantar-se e entrámos na recepção. Imediatamente apareceu um empregado filipino, que disse ter o segundo ano de fisioterapia e começou a massajar o tornozelo, de tal maneira que, minutos depois, a amiga se pôs em pé e foi até ao quarto, embora amparada. Depois de tirar as meias, o filipino voltou a massajar o tornozelo, aplicou uma pomada e uma ligadura. A nossa amiga ficou melhor e passou bem a noite. Jantei às dez e fui para a cama estafada!

Quatro Seniores em Londres II

Depois de uma noite descansada, saímos os quatro para a rua. Já tínhamos os bilhetes para o Original Tour, por isso descemos um pouco a rua e entrámos no autocarro, subindo para o primeiro andar e sentámo-nos mesmo à frente. A linha azul passou à frente do Museu Britânico, e seguiu por Charing Cross, Picadilly Circus, Hard Rock Café, Monumento a Wwellington, Kensington, Memorial do Príncipe Alberto, Albert Hall, Cromwell Road com os Museus (História natural, Ciência, Vitória e Alberto), Harrods, Knightsbridge, Hyde Park Corner, Picadilly. Aqui, apanhámos a linha vermelha. Como estava a chuviscar, ficámos no andar debaixo. Seguimos por Trafalgar Square, Casas do Parlamento, ponte de Lambeth ,e, pela outra margem do Tamisa, até à Ponte de Waterloo. Passámos, novamente, para a outra margem e seguimos pela Fleet Street, Catedral de S. Paulo, Ponte de Londres para a outra margem, a fim de vermos a recosntituição do Teatro Globo, de Shakespeare, e fomos para a Ponte da Torre. Descemos junto da Torre de Londres e fomos procurar alguma coisa para comer. depois de reconfortar o estômago, resolvemos visitar a Torre. Ao pedir 4 bilhetes de seniores, a senhora disse ser portuguesa (ouviu-nos falar...) e ficou contente por encontrar conterrãneos. Entrámos e tirámos fotografias com um dos guardas, vimos uma mudança de guarda, e fomos ver as jóias da coroa. Passámos por outras torres (para quem não sabe, a Torre de Londres é um conjunto de várias torres, que foram sendo acrescentadas por vários monarcas), fomos ver os corvos, e dirigimo-nos para o cais de embarque. Fizemos a viagem da torre até ao Embankment. E vimos os tabuleiros da Ponte da Torre abrir para deixar passar um barco e depois a fecharem lentamente.No Embankment apanhámos outra vez a linha vermelha e seguimos pelas Casas do Parlamento, estátua de Wiunston Churchill, Abadia de Westminster, ao longo dos muros do Palácio de Buckinham, estação de Vitória, Monumentoi de Wellington, Hyde Park, Speakers' Corner, Marble Arch, Baker Street e Madame Tussaud, descendo depois para Oxsford Street. Quando perguntei ao motorista se podíamos apanhar a linha azul, respondeu-me que essa linha acabava ás cinco, e já passava das seis. Aconselhou-me a ir de metro. Coitados dos seniores mais velhos! Na estação de Holborn tínhamos de mudar de linha. Andámos quilómetros (é exagero!) por corredores infindáveis, escadas rolantes, mais corredores, até apanharmos o combóio que nos levou a Russell Square, e lá fomos para o hotel bem cansados, mas contentes.
Para quem foi por tão pouco tempo, ficaram com uma visão global da cidade. Até amanhã. :-)

Quatro seniores em Londres

Aeroporto às seis da matina. Quatro seniores ensonados à espera da partida, que teve dez minutos de atraso, coisa pouca para uma velocidade de cruzeiro de não sei quantos quilómetros por hora. Hospedeiras muito prestáveis e atenciosas. Chegada a Heathrow com uma vista soberba sobre Londres. Bagagens encontradas e saímos à procura do motorista da Iberojet que nos levou ao hotel. Surprise, surprise, o motorista era português! No hotel, dão-nos as chaves dos quartos e lá vamos nós instalar-nos. Vamos almoçar à Pizza Hut. Já reconfortados, vamos à descoberta. O metro é quase à porta do hotel, duzentos metros, mais ou menos. Começa a aventura para o casal amigo. Vamos até Trafalgar Square para verem a coluna de Nelson e andamos um pouco a pé até ao Arco do Almirantado. Virados para a oeste, vê-se o Palácio de Buckingham ao fundo. Os velhotes estão cansados, e apanhamos um autocarro que nos leva numa viagem longa até Hampstead West, sentados no andar superior do autocarro. É uma maneira de conhecer a cidade sem muito cansaço. Chegados ao fim, saímos e vamos apanhar outro autocarro de volta para o centro e acabamos por sair depois da Westminster Bridge. É bom, porque assim podem admirar o London Eye, as Casas do Parlamento e a estátua de Boudica, essa mulher guerreira que desafiou os romanos e lutou contra eles até à morte. Os seniores estão cansados. Vamos de metro até ao hotel. E vamos descansar para o quarto, onde podemos ver o jogo do Porto contra o Liverpool. Amanhã há mais.

Londres

Londres é uma cidade que sempre me fascinou. Há quem prefira Paris, mas Londres, para mim, é uma coisa fascinante. A primeira vez que fui a Londres foi em 1959 para estudar na Sala de Leitura do Museu Britânico e preparar a minha tese de licenciatura. Para além de passar as manhãs a estudar, ao princípio da tarde ia a uma escola tirar um curso de Literatura Inglesa Moderna, e voltava para o Museu. Mas, nos fins de semana, aproveitava para visitar tudo o que podia e, inclusivamente, fui assistir ao bailado "Lago dos Cisnes" (versão integral de 4 actos) em Covent Garden, que ainda era a catedral do bailado. É engraçado, mas ao leccionar nas aulas do antigo sexto ano, conseguia descrever tudo muito realisticamente. Quando, em 1988 fui aos Estados Unidos como bolseira, toda a gente me perguntava se eu já tinha estado em Nova Iorque, pois sabia onde ficava tudo. Era o resultado de ter ensinado o antigo sétimo ano, em que havia três ou quatro aulas sobre Nova Iorque. Com Londres foi o contrário. Primeiro vi, aprendi, e depois ensinei. Já lá estive umas quantas vezes e agora será mais uma. Depois conto como foi...

De volta

Pois é, amigos e visitantes: voltei, mas irei partir em breve. Não quis deixar de agradecer as vossas visitas. Passei oito dias no Inatel de Santa Maria da Feira, em Agosto. Depois, encontrei tanto correio que passei quase uma semana a ler, a guardar ou apagar. Férias, para quem está reformado, não são férias no sentido estrito da palavra. Só são férias na medida em que se muda de poiso e não se faz nada. Dentro de dias parto para Londres, para servir de tradutora e de cicerone a um casal amigo, que não fala inglês e sempre teve vontade de ir a Londres. Só espero que o tempo esteja bom, pois três dias são para aproveitar ao máximo... Um grande abraço para todos!

Quem somos nós?

Otelo faz umas perguntas interessantes no último comentário e disserta filosoficamente sobre o que andamos a fazer neste mundo.
Lembrei-me de um quadro de Gauguin com estas perguntas "De onde vimos? O que somos? Para onde vamos?"
Penso que estamos no mundo com um objectivo, só que, às vezes, demoramos muito tempo a descobrir qual é. Penso que não estamos aqui, neste lugar, só por estar. Também acho que não tenho a veleidade de pensar que posso endireitar o mundo. É muito difícil aceitar os maus momentos e ver que os bons momentos passam a correr, quase sem darmos por isso...
Mas prefiro pensar com Carl Sagan que "somos a encarnação local de um Cosmos que toma consciência de si próprio. Começámos a contemplar as nossas origens: pó de estrelas meditando sobre estrelas; ajuntamentos organizados de dez mil biliões de biliões de átomos analisando a evolução do átomo; descobrindo a longa caminhada que, pelo menos para nós, levou ao aparecimento da cosnciência. Devemos a nossa lealdade à espécies e ao nosso planeta. Somos nós que nos responsabilizamos pela Terra. Devemos a nossa obrigação de sobreviver não só a nós próprios, mas ao Cosmos, vasto e antigo, de onde despontámos." (Carl Sagan - Cosmos)
E, como sou pó de estrelas, a minha ambição é voltar para as estrelas, deixando na terra qualquer coisa de útil, mesmo que pequenina, para as gerações vindouras. E, se fizer tudo com amor, penso que o mundo será melhor para os que vierem atrás de mim.

Pensamento

"Estamos tão habituados a disfarçarmo-nos para os outros que acabamos por nos disfarçarmos para nós próprios."

François de la Rochefoucauld

ERA UMA VEZ UM POETA...

Era uma vez um poeta:
Morava à beira do mar...


E vivia sozinho. E porque vivia sozinho, era feliz. Passava os dias a cantar, a apanhar conchinhas multicores, e a conversar com o mar. Conversava tanto com o mar! E lia-lhe os poemas que fazia, à noite, ao luar.
Quando não havia luar, escrevia ao brilho das estrelas, que eram muito amigas dele. Mas quando as nuvens curiosas queriam ver o que o poeta escrevia, tapavam as estrelas ou o luar, e o poeta não podia escrever. E ficava triste... Mas o mar, muito seu amigo, mandava vir fosforescências, que só ele conhecia, e o poeta tinha luz para escrever.
E escrevia tantas coisas lindas! Por cada poema, o mar oferecia-lhe uma conchinha, uma pérola ou um coral. E eram tão amigos...

Porque o poeta vivia
Mesmo à beirinha do mar.

Mas um dia chegaram outros poetas. Leram os versos que o poeta fazia para o mar e disseram que eram muito bonitos. E levaram o poeta p’rá cidade, que era longe do mar.
O mar chorou, chorou durante muitos dias. E as estrelas e o luar andavam tristes, muito tristes. Só as nuvens, que eram curiosas, vinham ainda espreitar. E tapavam as estrelas e o luar e tornavam o mar ainda mais negro.


E o poeta não voltava
P’ra junto do amigo mar...

Porque o poeta estava na cidade, muito longe do mar. E escrevia versos para os outros poetas. E tinha ouro aos montões, e jóias e palácios. Mas os versos eram tristes. O poeta estava triste, tinha saudades do mar, das estrelas e do luar. Até das nuvens curiosas.

E escrevia versos tristes
Porque lhe faltava o mar.

E o poeta continuava a dar festas para os outros poetas, e escrevia versos tristes. E todos cantavam, e comiam e bebiam. Tudo à custa do poeta, que escrevia versos lindos, quando vivia junto ao mar.
O poeta era muito poderoso. Toda a cidade era sua. Era rico, muito rico.
Um dia, o poeta adoeceu. E começou a perder as grandes riquezas, as jóias e os palácios. Os outros poetas não iam procurá-lo. O poeta já não dava festas...
Porque amigo verdadeiro
Era só o amigo mar...

O poeta, abandonado, deixou um dia a cidade. Pôs-se a caminho do mar. Levou dias, levou anos, sempre a caminho do mar.
E um dia chegou, cansado, já quase ao anoitecer. E as estrelas e o luar começaram a brilhar para o poeta escrever. As nuvens curiosas não taparam o luar. Vieram só espreitar, e ficaram, de contentes, num cantinho. E o mar cantou, cantou muito feliz. E o poeta chorou, de contente que estava. Escreveu lindos poemas, que logo leu para o mar.
E perto da madrugada, quando as estrelas fugiram, o poeta, já cansado, foi dar um beijo no mar.

O poeta agradecido
Ficou-se a dormir no mar...

Se o amanhã não vier

Se eu soubesse que essa seria a última vez que eu veria você dormir eu aconchegaria você mais apertado e rogaria ao Senhor que protegesse você.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que veria você sair pela porta, eu abraçaria, beijaria você e chamaria de volta, pra abraçar e beijar uma vez mais.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que ouviria sua voz, eu filmaria cada gesto, cada palavra sua, para que pudesse ver e ouvir de novo, dia após dia.
Se eu soubesse que essa seria a última vez, eu gastaria um minuto extra ou dois, para parar e dizer "Eu te amo", ao invés de assumir que você já sabe disso.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que eu estaria ao seu lado, partilhando do seu dia, eu não pensaria: "Bem, tenho certeza que outras oportunidades virão, então eu posso deixar passar esse dia".
A gente sempre acredita que haverá um amanhã para se fazer uma revisão, correcção de rumos ou dizer um para o outro: "Eu te amo".
O dia de amanhã não está prometido para ninguém, jovem ou velho...Hoje pode ser sua última chance de segurar bem apertado a mão da pessoa que você ama.
Se você está esperando pelo amanhã, porque não fazer hoje?
Porque se o amanhã não vier, você com certeza se arrependerá pelo resto de sua vida de não ter gasto aquele tempo extra num sorriso, num abraço, num beijo, porque você estava "muito ocupado" para dar para aquela pessoa, aquilo que acabou sendo o último desejo dela.
Então, abrace seu amado, a sua amada hoje. Bem apertado. Sussurre nos seus ouvidos, dizendo o quanto o ama e o quanto o quer junto de você.
Gaste um tempo para dizer: me desculpe, por favor, me perdoe, obrigado, ou ainda, não foi nada, está tudo bem.
Porque se o amanhã jamais chegar, você não terá que se arrepender pelo dia de hoje, pois o passado não volta e o futuro talvez não chegue.
Assinado: Fábio, marido de uma das aeromoças vítimas do acidente aéreo.
Texto publicado no mural da empresa um dia após a queda da aeronave.

Pensamento

"Só aceitando quem somos, entenderemos a nossa missão"
Monja Budista

Recordações V

Fui sempre maria-rapaz. A minha Mãe lamentava-se porque sempre quis ter uma filha e eu queria ser rapaz. Também, com quatro irmãos e dois tios ( que os meus pais criaram connosco) como é que eu podia ser uma "menina"? Gostava de andar de bicicleta, de trepar a árvores e muros, de jogar futebol (fui guarda-redes...), de fazer corridas com os rapazes (que eu geralmente ganhava), e de ir para a escola montada numa cana, a fazer de cavalo. A minha Mãe chamava lá para casa a minha prima Ana (sua afilhada), para estarmos juntas e aprendermos a bordar, coser, passajar, passar a ferro, fazer bolos, tudo "prendas " que uma menina devia ter, já para não falar na escola, porque devíamos aprender para termos "uma enxada" no futuro. Devo dizer que só comecei a gostar de bonecas, já tinha quinze anos! Ainda hoje a Ana fala da minha Mãe com saudade porque a tornou uma grande dona de casa. Eu fui estudar, a Ana não quis continuar. E fui para o Colégio das Doroteias, interna, e, mais tarde, vim para Lisboa tirar um curso universitário, a minha "enxada". É engraçado como a vida dá tantas voltas... Estive com a Ana há cerca de um mês, desta vez não para um funeral (que é onde nos encontramos quase sempre), mas para festejarmos os 90 anos da Tia E. E foi uma alegria estarmos juntas (estavamos 4 primas, uma tia da nossa idade, e duas primas em segundo grau). Parecia que o tempo faltava para pormos toda a conversa em dia! Creio que não o fizemos, pois, nestas festas, falamos um bocadinho com uma, logo a seguir com outra, e a conversa fica sempre incabada. Mas foi bom!

Para o meu amor, que está dormindo

Este poema foi escrito para mim pelo meu marido. Encontrei-o a arrumar papéis, e quero deixá-lo aqui, porque o acho muito bonito.

Para o meu amor, que está dormindo
Dormes,
e o teu sono
é como se o sonhar
fosse uma nuvem pequenina,
floco de neve
que no vento dança.
Amas,
e o teu amor,
feito corpo e sexo e vida,
é um apelo
um desejar
eterna procura
que não cansa.
Sem outra condição
que a do próprio coração,
sereno
de novo e sempre me responde o teu amor,
gratuitamente,
sem outra condição
que a de sermos os dois
agora
e logo
e depois
e sempre
como um só
cego e forte,
que nem já desata a mesma dor
nem a vida nem a morte.
É esse o preço.
É esse o preço do Amor.

A Vida é feita de nadas

A vida é feita de nadas,
de grandes serras paradas
à espera de movimento.

Miguel Torga

Não tenho por feitio ficar à espera de que algo aconteça, quando posso impedi-lo. E isso não é bom, pois já fui acusada de "meter o nariz onde não sou chamada". Mas é difícil ver a vida de uma pessoa desmoronar-se e eu não fazer nada. Vem isto a propósito de um pedido de auxílio, que uma grande amiga me fez. Não tenho dormido bem, a pensar nela. Mas como posso ajudá-la se também não tenho solução? Uma mãe faz tudo pelos filhos, e este é o caso dela. Mas os filhos nem sempre têm cabeça e julgam que a mãe é o banco de Portugal. A filha mais nova endividou-se, pediu ajuda à mãe, e, em vez de pagar as dívidas, ainda fez mais e não pagou nenhuma. E a minha amiga vive angustiada, sem saber como ajudar, pois vive só da sua reforma. Envergonhada, quase a medo, veio pedir-me ajuda. Mas eu também vivo da minha reforma e não posso ajudá-la. Tive vontade de lhe dizer que a filha já é bastante crescidinha (divorciada, dois filhos) para saber o que faz e que a minha amiga lhe deve dizer "basta!". Mas tem os netos e não tem coragem. E assim, sem o auxílio das outras quatro filhas, que também têm a sua vida, e não estão dispostas a ajudar a irmã, não sei o que lhe vai acontecer. Ando mesmo indisposta com esta história. Eu gostava de a ajudar, mas, ao mesmo tempo, acho que não devo ajudar a sustentar vícios. O que devo fazer? Ela foi sempre tão minha amiga....

Regresso

Estive fora uns dias e não consegui escrever, quando cheguei. Tinha 90 e-mails para abrir, ler, encaminhar, quando era o caso, e apagar. Só terminei ontem.
A vida, segundo Miguel Torga, "é feita de nadas". E a minha vida, a minha, muito pessoal, é feita de pequeninos nadas, que, todos juntos, fazem uma serra. "Ao dia basta a sua própria aflição", disse Cristo. Mas as aflições são muitas, não há só uma. Não sou bombeira para apagar tantos fogos ao mesmo tempo. Melhor é ficar quietinha no meu canto, sem dizer nada, calada, a tentar ajudar mesmo quando não consigo fazer nada.

Poema de Miguel Torga

Estamos a comemorar os cem anos do nascimento de Miguel Torga. Sempre gostei deste poema.


Canto ou não canto o limoeiro
aqui ao lado?
Ele é tão delicado!
Tem um jeito tão puro
de se encostar ao muro
onde vive encostado...
.
Canto ou não canto as tetas de donzela
que daqui da janela
vejo no limoeiro?
Elas são tão maduras...
E tão duras...
Têm uma cor e um cheiro...
Canto! Nem serei o primeiro,
nem eu sou nenhum santo!

Parábola Sufi

Atrás daquele que buscava, enquanto ele pregava, vieram o estropiado, o mendigo e o vencido. E, ao vê-los, o santo entrou em oração profunda e clamou: "Senhor Deus, como é possível um criador amoroso ver estas coisas e não fazer nada por elas?"
E, saindo do seu longo silêncio, Deus disse: "Mas eu fiz alguma coisa. Fiz-te a ti."

Hobbies

Sou a mulher dos hobbies. Gosto de bordar a ponto de cruz, de pintar (t-shirts e quadros), e de fazer palavras cruzadas. Assino duas revistas, que têm uma grande variedade de problemas: palavras cruzadas, sopa de letras, problemas lógicos, etc. São inglesas (eu já disse que me licenciei em Germânicas) e pasmo comigo mesma por ser capaz de resolver quase tudo. Dizem os entendidos que fazer destes problemas faz bem ao cérebro e nos mantém mais jovens. Talvez seja por isso que me dou tão bem com os netos. Porque eu sou "maluquinha" pelo computador e, para além das coisas sérias que faço com ele, gosto de jogar: há o Mah jong quest, o trivia, o flip words, o word twist, e a super granny, entre outros. O marido tem razão quando diz que sou viciada em computador. Também gosto de ler e ouvir música, e de ver televisão. Bordei uma toalha de mesa, a ver e a ouvir o Canal de História. Só o facto de estar a escrever isto tudo me alivia. Obrigada a todos os que me lêem sem me conhecerem.

Tristeza

Estou muito triste, hoje. Já ninguém visita o meu blog ou faz comentários. Que é feito do Otelo, do xxl, da fugidia? Perderam o interesse? Só o lado lunar me fez um comentário à Chuva. E eu, toda contente, por ter conseguido postar uma música...

Chuva




Hoje apanhei muita chuva e lembrei-me desta canção. Gostam?

Gingando ao Por do Sol

Tenho um hobby. Todas as sextas feiras vou aprender a pintar. Este quadro foi pintado com acrílicos. Divirto-me imenso a pintar e não só quadros: pinto t-shirts também. Tenho aprendido muitas técnicas diferentes. E, naquelas três horas, esqueço os meus problemas. A professora e as alunas conversam, trocam receitas, ajudam-se umas às outras.
Comecei a aprender a pintar tinha eu sete anos. O meu primeiro quadro era a carvão e representava um cisne. Depois fiz outros, também a carvão e, um dia, a professora disse que me ia passar para os lápis de cor. Muito senhora do meu nariz, saí de casa dela e fui direita a uma papelaria onde pedi os lápis de cor e disse que a minha mãe ia lá pagar no dia seguinte. Quando cheguei a casa, a Mãe zangou-se comigo (os lápis eram caros) e, no dia seguinte, escoltada por um dos meus irmãos, fui à papelaria onde o meu irmão pagou os lápis e deu ordem para não me fornecerem nada, se eu tivesse a veleidade de lá aparecer. Mas fiquei com os lápis e lá pintei mais uns quadros a cores. Depois, só no colégio interno, voltei a aprender pintura. E aí voltei ao carvão e, mais tarde, aprendi pastel. Só agora, depois de tantos anos, aprendi a pintar a óleo e a acrílico. E tenho-me divertido imenso.

Recordações IV

Fui sempre boa aluna a Matemática e só não fui para Ciências porque detestava a Física. Gostava de Química, mas não gosta de Física. E como, no meu tempo, se tinha de escolher ou Letras ou Ciências, fiquei pelas Letras, porque gostava de Línguas. E o facto de ter escolhido Germânicas deveu-se ao facto de os meus irmãos mais velhos, que eram óptimos em Inglês, não saberem Alemão. Era uma vantagem que eu tinha... Voltando à Matemática. No 5º ano (9ª agora), fazíamos problemas com logarítmos, e não tínhamos máquinas de calcular como agora. Era tudo feito com a nossa cabecinha. Como disse, eu era muito boa, e toda a gente copiava por mim. A madre B. descobriu isso e passou a colocar a minha carteira afastada de toda a gente. E eu resolvia o teste em meia hora e ficava a estudar outra coisa. Um dia, a madre chamou-me porque eu tinha errado uma conta da soma enorme de logarítmos. Peguei no teste, voltei para a carteira, fiz a soma, e dava o mesmo resultado. Entreguei. Que não estava bem, que verificasse. isto repetiu-se umas três vezes, e no fim, desesperada porque eu teria 20 se emendasse, a madre deu-me um estalo e mandou-me sair da aula. Só quando se fez a correcção do teste é que eu verifiquei que estava a somar no género de 2+2=5 e não dava por isso...

Poema 2


O céu azul,

O trigo que ondeia.

Que fresco o regato!

E o vento que passa,

Murmura e sussurra,

O vento que verga

As copas esguias

Dos verdes pinheiros...

E o sol que prateia

As folhas das vinhas

E das oliveiras.

A nuvem que passa

E o cheiro do feno...

Que dia sereno,

Tão belo e tão calmo...

Silenciosa,

Uma ave pairou no Infinito.

Relógios

Sempre tive uma predilecção por relógios. Não sou capaz de adormecer sem ouvir o tique-taque do meu despertador, ao pé da cama. Estou tão habituada que, quando estou fora de casa, é difícil adormecer porque me falta aquele barulhinho. Tenho uns poucos relógios de pulso, mas ando sempre com este, um digital, pouco atraente mas que tem o condão de me dizer tudo aquilo de que preciso: a hora, o dia, a data, é despertador e é cronómetro... O cara-metade não gosta de me ver com ele, embora mo tivesse oferecido, sobretudo no verão, porque anda à mostra. No inverno, nem o vê, porque anda sempre tapado. Isto deve ser de família, porque a minha Mãe também estava sempre a ver as horas. Eu gostava que, às vezes, o dia tivesse 34 horas para poder fazer tudo aquilo que tenho vontade de fazer e, como o tempo não chega, fica sempre para amanhã... Tudo isto porque encontrei esta foto do Big Ben, que tirei quando fui a Londres, há dois anos. Na verdade, só fotos do Big Ben são umas quantas! Esta até nem está muito clara, mas está de acordo com o que sinto hoje. Estou cansada e "nublada".

Recordações III

Quando eu era adolescente tinha um grande desejo: ser bailarina. De tal modo que, quando a Tia I. foi a Madrid levava uma incumbência: trazer-me uns sapatos de ballet. E trouxe. Mas eu nunca tinha aprendido. Dizem que se tem de aprender de criança e eu, nascida e criada em África, não tinha ensejo de o fazer. Mas tinha aquela mania. A primeira vez que assisti a um espectáculo de ballet foi no S. Carlos, e fui ver a "Giselle". Saí de lá nas nuvens! Mais tarde, quando fui estudar em Londres durante três semanas (para preparar a minha tese), comprei bilhetes para Covent Garden (que, na altura era a catedral do ballet), convidei a minha companheira de quarto, e lá fomos nós ver a versão integral do "Lago dos Cisnes". E muito mais tarde, já professora, em Berlim, fui ver a "Fille Mal Gardée". Estes foram os espectáculos ao vivo, que, no cinema ou na televisão, não perco um bailado. E também adoro ver a patinagem artística. Enfim, recordações de um tempo que já passou há muito, mas que voltou por momentos.

A minha neta

Hoje fui uma avó presente! A minha neta mais velha veio passar o dia comigo. Saímos as duas, de manhã, para irmos ao centro comercial. Ela tem um jeitinho muito engraçado de me pedir as coisas... "Podemos ir àquela loja só para eu ver a montra?" Entrámos, mas não havia nada do que ela queria. Então fomos a outra loja e a dona, que já a conhece, pôs à frente dela tudo o que tinha de jogos. E ela escolheu um. Ficou tão feliz! Ao voltarmos para casa, já nem quis ir para o computador. Esteve a experimentar o jogo e dava gritinhos de satisfação de cada vez que passava um nível. Depois do almoço tive de a convencer a fazer os trabalhos de casa, que acabou rapidamente para voltar ao seu jogo. Só mais tarde foi ver o programa favorito na televisão.
Gosto de estar com ela. Tem gostos simples e engraçados e está sempre preocupada em procurar coisas na internet para a irmã mais nova fazer. É uma garota espectacular. Sai sempre com pena de não ficar mais tempo. Por vontade dela, ficava até à noite... E eu não me importava nada!

Poema

Roubei o silêncio das estrelas

E só ficou a noite pensativa...

Então quis abraçar o teu silêncio,

Torná-lo igual ao meu,

Que era eterno...


Roubei o silêncio das estrelas

E entrei na escuridão da noite...

Fugiu-me o teu silêncio,

E o meu silêncio

Voltou outra vez para as estrelas...

Desabafos...

Ontem passei o dia agarrada ao computador, a traduzir parte de um livro. Tenho aprendido muita coisa que ignorava. Hoje fui passear com o cara-metade, para sítios já percorridos muitas vezes, mas de que ele, com a sua doença, não se lembra de todo e tudo é novidade. Chegámos estafados os dois: ele porque se cansa e eu porque conduzo. Resolvi ler o que tenho escrito e os comentários que me fazem. São sempre de duas pessoas, com excepção de um post, em que interveio um/a anónimo. Serei eu uma avó como deve ser? Ninguém é perfeito, é verdade, mas gostava de ser recordada com ternura e carinho, assim como as minhas filhas recordam a minha Mãe. Não gostaria de ser lembrada como a avó ausente, mas é isso que acho que sou. Gostava de ser... eu sei lá o que gostava de ser! Gostava de ser capaz de exprimir o que sinto mas não consigo. Acho que não estou "in the mood" e o melhor é ficar por aqui...

Recordações II

A Madre Cip. , para além de professora de Físico-Químicas e de Desenho, ensinava-nos Trabalhos Artísticos. Mas o que recordo mais dela é a sua habilidade para contar histórias. Nas noites de chuva, em que não podíamos ir para o recreio, antes de ir dormir, sentava-se no meio das meninas da quarta divisão e contava-nos um bocado do livro que andava a ler. Ficávamos presas ao que ela dizia e não descansávamos, nas noites seguintes, enquanto não contava mais um pouco da história. Era uma espécie de Sherazade, parando sempre num momento culminante... Já agora, lembro-me de que foi graças a ela que tenho uma letra "bonita". Obrigava-me a fazer cópias em cadernos de duas linhas, e só ficou satisfeita quando, ao fim de uns dez cadernos, fui capaz de escrever como deve ser. E a letra ficou tão boa que, já mulher, era sempre requisitada para fazer as pautas (sim, que eu fui professora) do liceu, porque ninguém fazia tão bem como eu. E tudo graças ao empenho da Madre Cip.

Pôr do Sol

Sempre gostei do pôr do sol, não sei porquê. Gosto das cores, de estar em silêncio a olhar para elas. E quando o pôr do sol é sobre o mar, ainda gosto mais. Quando eu era adolescente, gostava de me sentar, com o cão ao lado, no muro do terraço que havia em nossa casa, situada num morro sobranceiro ao mar. Ficávamos os dois a olhar até o sol se esconder de vez. Não sei bem, mas andava obcecada a tentar ver o raio verde. Tinha lido o livro do mesmo nome, de Júlio Verne, e achava que também ia conseguir ver uma coisa que pouca gente tinha visto. Nunca vi o raio verde, mas fiquei, para sempre, com as cores metidas nos olhos de ver por dentro, que só existem no coração.

No Laboratório de Física e Química

O Laboratório de Física e Química do Colégio era numa espécie de anexo, junto a um dos portões. Não teria muitos aparelhos, mas acho que tinha os mais importantes para o estudo da disciplina, que, naquele tempo, era muito teórica. Estávamos no 5º ano (Actual 9º) e a nossa professora, a Madre Cip., levou-nos para o laboratório a fim de fazer uma demonstração química qualquer. Não me lembro de qual, só retive o episódio. Estávamos nós muito bem, em roda da mesa e a Madre a explicar tudo o que estava a fazer (as meninas não mexiam em nada, só olhavam), quando começou a sentir-se um cheiro nauseabundo e, logo a seguir, o laboratório ficou cheio de fumo. Não pensámos duas vezes. Saltámos as janelas (acho que eram duas) e fomos para o parque, esquecendo a Madre lá dentro. Mas ela não se atrapalhou. Pôs um lenço no nariz e na boca, abriu a porta e foi para junto de nós. O fumo, fruto de alguma reacção química, desapareceu pouco depois. Só ficou o cheiro. Não voltámos para a aula, e fomos dispensadas até à próxima. É claro que aproveitámos para passear entre os jacarandás e mais ninguém soube do sucedido. A Madre não voltou a levar-nos para o laboratório. Ficou tudo na teoria...

Recordações

Hoje, não sei como nem porquê, comecei a recordar os meus anos de Colégio interna. Eu tinha catorze anos, quando fui frequentar o antigo 4º ano (8º de hoje) no Colégio das Doroteias. Foram anos engraçados. Andávamos sempre a toque de, não, não era de caixa, mas a toque de música. A Madre C. abria a janela de uma das salas de piano, sentava-se e desatava a tocar uma marcha, bem alto, para todas nós (divididas em cinco divisões, conforme as idades), marcharmos a caminho do refeitório ou das aulas. Usávamos um bibe creme, com dois bolsos na frente, e lá íamos, ou comer ou estudar. Também aprendi piano e canto com a Madre C. Era muito divertida. Quando me mandava cantar o solfejo: dó, dó, dó, ré, mi, fá, sol,sol... eu seguia aqueles trinados todos enquanto marcava com a mão os compassos: binário, ternário e quaternário. E a Madre C. cantava comigo, com as bochechas a tremer...Eu gostava muito de cantar e fiz parte do coro da capela. Era uma espécie de privilégio estar no coro. Uma vez, um dos meus irmãos deu-me um afia-lápis, que era o Rato Mickey. A figura media uns dez cms e tinha o afia-lápis metido nas costas. Passei a andar com o Mickey num dos bolsos, a cabecita e uma mão de fora, e, passado algum tempo, já ninguém me chamava pelo nome. Eu era a Mickey e assim fiquei durante os três anos que estive no Colégio. Bons tempos!

Trovoadas

As recordações, às vezes, surgem em catadupa, sobretudo num dia triste e de chuva como hoje. Lembrei-me de uma trovoada enorme que houve na minha terra, em Angola. O meu irmão mais novo e eu tínhamos medo da trovoada. Morávamos no alto de um morro e abarcávamos toda a vila (agora cidade). O meu Pai chamou-nos, levou-nos para a varanda, e começou a explicar a razão da trovoada. Fez-nos contar o tempo decorrido entre o relâmpago e o trovão, multiplicar por 240 e, assim, calcular a distância a que estava a trovoada. Ficámos ali, na varanda coberta e cheia de plantas, a observar os raios que caíam para lá dos morros. Nunca mais tive medo de trovoadas, nem mesmo quando já estava no colégio interno e víamos os raios a descer pelo para-raios da capela, que ficava mesmo em frente da sala de aula.
Bem gostaria eu de ter alguém ao lado para me explicar a razão das trovoadas que sinto dentro de mim...

Parecer-se com a mãe

Estive a folhear uma revista e parei na página que tinha um título sugestivo: "Estou a parecer-me com a minha mãe?", mais ou menos isto, porque não tenho a revista presente. Comecei a ler e cheguei à conclusão de que, realmente, me estou a parecer com a minha mãe, não só no físico como na maneira de ver certas coisas. Não acho que seja mau parecermo-nos com a nossa mãe, sobretudo se ela foi uma pessoa sensata e honesta. É claro que há diferenças: ela pertenceu a uma época em que as mulheres não tinham direitos. (Lembro-me de, em 1960, ela ter de pedir ao meu Pai uma autorização para ir a Madrid comigo e com a minha Tia, enquanto que eu, com 23 anos, não precisei de autorização nenhuma...). Fui habituada a ser independente. E essa independência custou-me certos problemas quando casei, porque o marido, embora se dissesse muito liberal, pensava à moda antiga. Com jeito fui compondo a minha vida, de modo a gozar dessa independência. Neste momento, já não posso falar assim, pois, agora, é ele que depende de mim, devido a doença, e lá se foi a independência. Mas voltado à mãe. Foi com ela que aprendi a fazer bolos, a bordar, a passajar, a lavar e a passar a ferro, tudo "prendas" de uma menina, mas, ao mesmo tempo, foi ela quem me incutiu o vício da leitura, e me mandou aprender pintura e piano. Foi ela quem lutou para que eu tirasse um curso (coisa que os meus quatro irmãos não fizeram), para não ter de depender de ninguém. Não me importo nada se disserem que estou a parecer-me com a minha Mãe. Ainda bem que estou.

Fugir

Ás vezes a vontade de fugir é tão grande... Que se lixem os outros!
Mas não consigo. Tenho de ficar, cerrar os dentes e rezar para que tudo melhore.
A vantagem é que saio mais forte de cada crise. E cresço interiormente.
Fugir não é solução. É preciso enfrentar a vida e dizer-lhe que não me assusta.

Rien de Rien - Edith Piaf

Quase


"Ainda pior que a convicção do não, a incerteza do talvez
é a desilusão de um "quase".
É o quase que me incomoda, que me entristece, que
me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga,
quem quase passou ainda estuda,
quem quase morreu está vivo,
quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos,
nas chances que se perdem por medo,
nas idéias que nunca sairão do papel
por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna;
ou melhor, não me pergunto, contesto.
A resposta eu sei de cor,
está estampada na distância e frieza dos sorrisos,
na frouxidão dos abraços,
na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir
entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo,
o mar não teria ondas, os dias seriam nublados
e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige, nem acalma,
apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas,
nem que todas as estrelas estejam ao alcance,
para as coisas que não podem ser mudadas
resta-nos somente paciência,
porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória
é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance;
pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio
ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando,
fazendo que planejando, vivendo que esperando
porque, embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu!!"

Luís Fernando Veríssimo

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