Uma Vez num Estábulo

A noite estava estranha: negra, abafada, mas fria ao mesmo tempo. A vaca tirou um pouco de feno e mastigou-o pensativa. Não conseguia dormir. O dia fora pesado: a trabalhar no campo, com o arado, quase sem descansar. Quando regressara, à noitinha, pensara no feno fresco e na água que a esperava, e esse pensamento dera-lhe ânimo para chegar ao estábulo. Estava tão cansada! Julgara que adormeceria logo que comesse e, afinal, estava para ali às voltas, sem conseguir fechar os olhos.

Olhou para o burro, que dormia regalado. Com uma ponta de inveja. Assim que chegara, comera a ração, e deitara-se a dormir. Nem tiveram a conversa habitual. Era talvez isso que lhe fazia falta. Aquela troca de impressões sobre o dia fazia parte da sua rotina. Já não podia passar sem ela. Mas o burro estava cansado e adormecera logo. Apenas lhe dissera, enquanto comia, que havia muito movimento na cidade. Chegara imensa gente de fora. E mais nada. Ela que adivinhasse o resto. Gostaria que lhe contasse como eram as pessoas, se vinham a pé, se traziam crianças... Nada lhe dissera. Era assim aquele burro: quando cansado, nada o faria falar.

Tinha vontade de o acordar, para lhe fazer algumas perguntas, mas não se atrevia. Podia sentir-se mal disposto e dar-lhe algum coice, nunca se sabe... O melhor que tinha a fazer era acomodar-se e tentar dormir. Amanhã viria um novo dia de trabalho e tinha de estar repousada. Mas, antes, resolveu ir até à porta.

Que noite escuríssima! Não se lembrava de uma noite assim, por aquela altura do ano. Nem uma estrela brilhava no céu! Decididamente, o melhor era dormir. Voltou-se, de repente. Que barulho era aquele? Pareciam passos... Quem seria, a esta hora? Podiam ser ladrões. Ficou receosa. Já uma vez tinham tentado roubá-los, a ela e ao burro.

Resolveu acordar o companheiro. Juntos podiam defender-se melhor. Os passos aproximavam-se cada vez mais. Inquieta, chamou-o. Mas ele estava a dormir profundamente e nem a ouvia. E os passos mais perto! Abanou-o com força e nem lhe deu tempo a que resmungasse. Excitada, obrigou-o a escutar. Bem desperto, o burro organizou a defesa. Cada um, do seu lado da porta, bem escondidos, prontos a atacar. E assim ficaram, mal ousando respirar.

A porta abriu-se e apareceu um casal. Suspiraram aliviados e avançaram para ver uma Mulher, à luz fraca transportada pelo Homem. Ela era linda, mas via-se que estava muito cansada. Vinham cheios de pó, e percebia-se que tinham feito uma longa jornada.

Sem saber porquê, a vaca teve um desejo imenso de a acarinhar, mas lembrou-se de que não era compreendida pelos homens. Olhou para o burro. Também ele estava impressionado. Havia algo de misterioso naquele casal. Desde a sua entrada no estábulo, este não parecia tão escuro.

Então a Mulher sentou-se na manjedoura. Via-se que não podia dar mais um passo, de cansada que estava. E, nessa altura, a luz apagou-se. Ouviu o Homem dizer que ia procurar lume, e sentiu-o sair. Aproximou-se da Mulher e lambeu-lhe uma das mãos. Era a única maneira que tinha de lhe dizer que não tivesse medo, porque eles estavam ali para defendê-la. E, coisa estranha, parece que a Mulher compreendeu, porque lhe afagou a cabeça.

Chegou-se para o lado, a conversar com o burro sobre os acontecimentos. A Mulher estava quase a dormir.

De repente, o estábulo encheu-se de luz e milhares de vozes entoaram um cântico suavíssimo. Surpreendidos, os dois animais viram a Mulher de joelhos, junto da manjedoura. Aproximaram-se mais e depararam com um Menino, que estendia os braços.

Nesse momento, entrou o Homem com a luz. Também ele caiu de joelhos. Criaturas aladas andavam em volta, cantando.

A vaca tinha a impressão de que o tempo parara. Mas o seu espírito prático prevaleceu, depois de uns momentos de pasmo. Lembrou-se do frio que estava. Hesitante, devagarinho, aproximou-se mais e começou a aquecer o Menino com o bafo. O burro seguiu-lhe o exemplo e os dois aqueceram o corpinho tenro.

A Mulher libertou-se da sua contemplação e envolveu o Menino em faixas. Depois sorriu-lhes, e a vaca sentiu-se reconfortada. Passara o cansaço. Ficou, com o burro, junto da manjedoura, e dali assistiram a um cortejo de gente com oferendas para o Menino.

Nos dias que se seguiram, a vaca andava radiante. Enquanto trabalhava, pensava impaciente no regresso. E à noite pouco dormia. Preferia contemplar o Menino e assistir ao vaivém das pessoas que O iam visitar. Até vieram uns reis, de terras longínquas...

Um dia, tão silenciosos como tinham vindo, o Homem e a Mulher arrumaram os seus poucos haveres. A Mulher agarrou no Menino, fez um afago aos dois animais, e partiram.

Nessa noite, a vaca e o burro não dormiram. Recordaram, vezes sem conta, tudo o que lhes acontecera no seu humilde estábulo. Ninguém lhes disse, mas ambos sabiam que os visitara o Criador.

Escrito por mim em Janeiro de 1967. Penso que está de acordo com a época. Bom Natal para todos!

2 comentários:

Luna 21 de dezembro de 2007 às 11:47  

Lindo, Lindo, LINDOOOO!
:-)
Um Feliz Natal para ti também, cheio de alegria, felicidade e paz, que bem mereces.

Um beijo

fugidia 21 de dezembro de 2007 às 20:27  

Muito bonito! :-)
Feliz Natal :-)

Visitas

Outros Sonhadores

Pesquisar