ERA UMA VEZ UM POETA...

Era uma vez um poeta:
Morava à beira do mar...


E vivia sozinho. E porque vivia sozinho, era feliz. Passava os dias a cantar, a apanhar conchinhas multicores, e a conversar com o mar. Conversava tanto com o mar! E lia-lhe os poemas que fazia, à noite, ao luar.
Quando não havia luar, escrevia ao brilho das estrelas, que eram muito amigas dele. Mas quando as nuvens curiosas queriam ver o que o poeta escrevia, tapavam as estrelas ou o luar, e o poeta não podia escrever. E ficava triste... Mas o mar, muito seu amigo, mandava vir fosforescências, que só ele conhecia, e o poeta tinha luz para escrever.
E escrevia tantas coisas lindas! Por cada poema, o mar oferecia-lhe uma conchinha, uma pérola ou um coral. E eram tão amigos...

Porque o poeta vivia
Mesmo à beirinha do mar.

Mas um dia chegaram outros poetas. Leram os versos que o poeta fazia para o mar e disseram que eram muito bonitos. E levaram o poeta p’rá cidade, que era longe do mar.
O mar chorou, chorou durante muitos dias. E as estrelas e o luar andavam tristes, muito tristes. Só as nuvens, que eram curiosas, vinham ainda espreitar. E tapavam as estrelas e o luar e tornavam o mar ainda mais negro.


E o poeta não voltava
P’ra junto do amigo mar...

Porque o poeta estava na cidade, muito longe do mar. E escrevia versos para os outros poetas. E tinha ouro aos montões, e jóias e palácios. Mas os versos eram tristes. O poeta estava triste, tinha saudades do mar, das estrelas e do luar. Até das nuvens curiosas.

E escrevia versos tristes
Porque lhe faltava o mar.

E o poeta continuava a dar festas para os outros poetas, e escrevia versos tristes. E todos cantavam, e comiam e bebiam. Tudo à custa do poeta, que escrevia versos lindos, quando vivia junto ao mar.
O poeta era muito poderoso. Toda a cidade era sua. Era rico, muito rico.
Um dia, o poeta adoeceu. E começou a perder as grandes riquezas, as jóias e os palácios. Os outros poetas não iam procurá-lo. O poeta já não dava festas...
Porque amigo verdadeiro
Era só o amigo mar...

O poeta, abandonado, deixou um dia a cidade. Pôs-se a caminho do mar. Levou dias, levou anos, sempre a caminho do mar.
E um dia chegou, cansado, já quase ao anoitecer. E as estrelas e o luar começaram a brilhar para o poeta escrever. As nuvens curiosas não taparam o luar. Vieram só espreitar, e ficaram, de contentes, num cantinho. E o mar cantou, cantou muito feliz. E o poeta chorou, de contente que estava. Escreveu lindos poemas, que logo leu para o mar.
E perto da madrugada, quando as estrelas fugiram, o poeta, já cansado, foi dar um beijo no mar.

O poeta agradecido
Ficou-se a dormir no mar...

Se o amanhã não vier

Se eu soubesse que essa seria a última vez que eu veria você dormir eu aconchegaria você mais apertado e rogaria ao Senhor que protegesse você.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que veria você sair pela porta, eu abraçaria, beijaria você e chamaria de volta, pra abraçar e beijar uma vez mais.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que ouviria sua voz, eu filmaria cada gesto, cada palavra sua, para que pudesse ver e ouvir de novo, dia após dia.
Se eu soubesse que essa seria a última vez, eu gastaria um minuto extra ou dois, para parar e dizer "Eu te amo", ao invés de assumir que você já sabe disso.
Se eu soubesse que essa seria a última vez que eu estaria ao seu lado, partilhando do seu dia, eu não pensaria: "Bem, tenho certeza que outras oportunidades virão, então eu posso deixar passar esse dia".
A gente sempre acredita que haverá um amanhã para se fazer uma revisão, correcção de rumos ou dizer um para o outro: "Eu te amo".
O dia de amanhã não está prometido para ninguém, jovem ou velho...Hoje pode ser sua última chance de segurar bem apertado a mão da pessoa que você ama.
Se você está esperando pelo amanhã, porque não fazer hoje?
Porque se o amanhã não vier, você com certeza se arrependerá pelo resto de sua vida de não ter gasto aquele tempo extra num sorriso, num abraço, num beijo, porque você estava "muito ocupado" para dar para aquela pessoa, aquilo que acabou sendo o último desejo dela.
Então, abrace seu amado, a sua amada hoje. Bem apertado. Sussurre nos seus ouvidos, dizendo o quanto o ama e o quanto o quer junto de você.
Gaste um tempo para dizer: me desculpe, por favor, me perdoe, obrigado, ou ainda, não foi nada, está tudo bem.
Porque se o amanhã jamais chegar, você não terá que se arrepender pelo dia de hoje, pois o passado não volta e o futuro talvez não chegue.
Assinado: Fábio, marido de uma das aeromoças vítimas do acidente aéreo.
Texto publicado no mural da empresa um dia após a queda da aeronave.

Pensamento

"Só aceitando quem somos, entenderemos a nossa missão"
Monja Budista

Recordações V

Fui sempre maria-rapaz. A minha Mãe lamentava-se porque sempre quis ter uma filha e eu queria ser rapaz. Também, com quatro irmãos e dois tios ( que os meus pais criaram connosco) como é que eu podia ser uma "menina"? Gostava de andar de bicicleta, de trepar a árvores e muros, de jogar futebol (fui guarda-redes...), de fazer corridas com os rapazes (que eu geralmente ganhava), e de ir para a escola montada numa cana, a fazer de cavalo. A minha Mãe chamava lá para casa a minha prima Ana (sua afilhada), para estarmos juntas e aprendermos a bordar, coser, passajar, passar a ferro, fazer bolos, tudo "prendas " que uma menina devia ter, já para não falar na escola, porque devíamos aprender para termos "uma enxada" no futuro. Devo dizer que só comecei a gostar de bonecas, já tinha quinze anos! Ainda hoje a Ana fala da minha Mãe com saudade porque a tornou uma grande dona de casa. Eu fui estudar, a Ana não quis continuar. E fui para o Colégio das Doroteias, interna, e, mais tarde, vim para Lisboa tirar um curso universitário, a minha "enxada". É engraçado como a vida dá tantas voltas... Estive com a Ana há cerca de um mês, desta vez não para um funeral (que é onde nos encontramos quase sempre), mas para festejarmos os 90 anos da Tia E. E foi uma alegria estarmos juntas (estavamos 4 primas, uma tia da nossa idade, e duas primas em segundo grau). Parecia que o tempo faltava para pormos toda a conversa em dia! Creio que não o fizemos, pois, nestas festas, falamos um bocadinho com uma, logo a seguir com outra, e a conversa fica sempre incabada. Mas foi bom!

Para o meu amor, que está dormindo

Este poema foi escrito para mim pelo meu marido. Encontrei-o a arrumar papéis, e quero deixá-lo aqui, porque o acho muito bonito.

Para o meu amor, que está dormindo
Dormes,
e o teu sono
é como se o sonhar
fosse uma nuvem pequenina,
floco de neve
que no vento dança.
Amas,
e o teu amor,
feito corpo e sexo e vida,
é um apelo
um desejar
eterna procura
que não cansa.
Sem outra condição
que a do próprio coração,
sereno
de novo e sempre me responde o teu amor,
gratuitamente,
sem outra condição
que a de sermos os dois
agora
e logo
e depois
e sempre
como um só
cego e forte,
que nem já desata a mesma dor
nem a vida nem a morte.
É esse o preço.
É esse o preço do Amor.

A Vida é feita de nadas

A vida é feita de nadas,
de grandes serras paradas
à espera de movimento.

Miguel Torga

Não tenho por feitio ficar à espera de que algo aconteça, quando posso impedi-lo. E isso não é bom, pois já fui acusada de "meter o nariz onde não sou chamada". Mas é difícil ver a vida de uma pessoa desmoronar-se e eu não fazer nada. Vem isto a propósito de um pedido de auxílio, que uma grande amiga me fez. Não tenho dormido bem, a pensar nela. Mas como posso ajudá-la se também não tenho solução? Uma mãe faz tudo pelos filhos, e este é o caso dela. Mas os filhos nem sempre têm cabeça e julgam que a mãe é o banco de Portugal. A filha mais nova endividou-se, pediu ajuda à mãe, e, em vez de pagar as dívidas, ainda fez mais e não pagou nenhuma. E a minha amiga vive angustiada, sem saber como ajudar, pois vive só da sua reforma. Envergonhada, quase a medo, veio pedir-me ajuda. Mas eu também vivo da minha reforma e não posso ajudá-la. Tive vontade de lhe dizer que a filha já é bastante crescidinha (divorciada, dois filhos) para saber o que faz e que a minha amiga lhe deve dizer "basta!". Mas tem os netos e não tem coragem. E assim, sem o auxílio das outras quatro filhas, que também têm a sua vida, e não estão dispostas a ajudar a irmã, não sei o que lhe vai acontecer. Ando mesmo indisposta com esta história. Eu gostava de a ajudar, mas, ao mesmo tempo, acho que não devo ajudar a sustentar vícios. O que devo fazer? Ela foi sempre tão minha amiga....

Regresso

Estive fora uns dias e não consegui escrever, quando cheguei. Tinha 90 e-mails para abrir, ler, encaminhar, quando era o caso, e apagar. Só terminei ontem.
A vida, segundo Miguel Torga, "é feita de nadas". E a minha vida, a minha, muito pessoal, é feita de pequeninos nadas, que, todos juntos, fazem uma serra. "Ao dia basta a sua própria aflição", disse Cristo. Mas as aflições são muitas, não há só uma. Não sou bombeira para apagar tantos fogos ao mesmo tempo. Melhor é ficar quietinha no meu canto, sem dizer nada, calada, a tentar ajudar mesmo quando não consigo fazer nada.

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